EREsp 1.575.846-SC, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, por maioria, julgado em 26/06/2019, DJe 30/09/2019
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL
Desapropriação indireta. Ação indenizatória de direito real. Art. 1.238, caput ou parágrafo único, do Código Civil de 2002. Prescrição. Regra. Prazo decenal. Condicionado à construção de obras ou serviços de caráter produtivo. Presunção relativa. Prazo de 15 anos.
O prazo prescricional para a ação indenizatória por desapropriação indireta é de 10 anos, em regra, salvo comprovação da inexistência de obras ou serviços públicos no local, caso em que o prazo passa a ser de 15 anos.
A desapropriação indireta retrata situação fática em que a Administração, sem qualquer título legítimo, ocupa indevidamente a propriedade privada. Incorporado de forma irreversível e plena o bem particular ao patrimônio público, resta ao esbulhado apenas a ação indenizatória. Quanto ao prazo prescricional, deve ser analisada a aplicabilidade do parágrafo único ou do caput do art. 1.238 do Código Civil de 2002 às hipóteses de desapropriação indireta. Segundo a norma: "Art. 1.238: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único: O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". No acórdão embargado, da Primeira Turma, o prazo prescricional é de 15 anos, na medida em que o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil destina-se especificamente a regular os direitos do posseiro particular que ocupa o imóvel para uso residencial ou produtivo. Já no acórdão paradigma, da Segunda Turma, o prazo de 10 anos do referido dispositivo é plenamente aplicável à desapropriação indireta, por presumir-se a implementação pelo Poder Público de obras ou serviços de utilidade pública ou interesse social. A jurisprudência conferiu a essa ação indenizatória caráter de direito real, equiparando seu prazo prescricional ao da ocorrência de usucapião em favor do ente público. Assim, a adoção das regras de Direito Privado decorre unicamente de construção jurisprudencial. Para a aplicação ao Direito Administrativo de normas do Código Civil de 2002 destinadas a regular relações estritamente particulares, é preciso interpretá-las de forma temperada. No caso da desapropriação indireta, inexiste sequer norma positiva no Direito Administrativo, não podendo se exigir da lei civil essa disposição. Todo o sentido do Código Civil é pela ponderação entre os direitos de propriedade do particular e o interesse coletivo. No equilíbrio entre eles, está a função social da propriedade. Assim, plenamente aplicável o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil às hipóteses de desapropriação indireta, por presunção de haver o Estado implantado obras ou serviços de caráter social ou utilidade pública. A presunção é relativa, podendo ser afastada pela demonstração efetiva de inexistência referidas obras ou serviços. Em regra, portanto, o prazo prescricional das ações indenizatórias por desapropriação indireta é decenal. No entanto, admite-se, excepcionalmente, o prazo prescricional de 15 anos, caso concreta e devidamente afastada a presunção legal.
EREsp 1.596.978-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/08/2019, DJe 11/10/2019
DIREITO TRIBUTÁRIO
Imposto de renda. Abono de permanência. Incidência. Tese firmada no Recurso Especial Repetitivo 1.192.556/PE. Modulação temporal dos efeitos. Inaplicabilidade.
O entendimento firmado no Recurso Especial repetitivo 1.192.556/PE, no sentido de que incide Imposto de Renda sobre o Abono de Permanência, deve ser aplicado sem modulação temporal de seus efeitos.
Cinge-se a controvérsia à existência ou não de limitação temporal da aplicação do Recurso Especial repetitivo 1.192.556/PE, que pacificou a compreensão de que incide Imposto de Renda sobre o Abono de Permanência previsto no art. 40, § 19, da Constituição Federal, nos arts. 2º, § 5º, e 3º, § 1º, da Emenda Constitucional n. 41/2003 e no art. 7º da Lei n. 10.887/2004. O acórdão embargado, da Primeira Turma, consignou que "(...) incide o IRPF sobre o valor do Abono de Permanência, mas somente a partir de 2010, data do julgamento do REsp. 1.192.556/PE, ressalvada a prescrição quinquenal, anotando-se que a decisão repetitiva ainda não transitou em julgado". A decisão da Segunda Turma apontada como paradigma, por sua vez, entende pela plena adoção do acórdão proferido pela Primeira Seção no REsp 1.192.556/PE, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, independentemente de os fatos geradores e/ou a ação ajuizada serem anteriores ao seu advento. A questão controvertida foi objeto de recente análise pela Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 1.548.456/BA, no qual se concluiu que o entendimento firmado no Recurso Especial repetitivo 1.192.556/PE deve ser aplicado de forma plena, sem nenhuma espécie de modulação temporal de seus efeitos.
REsp 1.656.182-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por maioria, julgado em 11/09/2019, DJe 14/10/2019
DIREITO DO CONSUMIDOR
Ação civil pública. Entrega de produtos e restituição de valores pelo exercício do arrependimento. Imposição de multa moratória em contrato de adesão. Impossibilidade. Limites da intervenção estatal.
É indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo.
Cuida-se de ação civil pública em que se pretende impor obrigação à recorrente de incluir, em seus contratos de consumo, multa de 2% sobre o valor da venda, caso seja descumprido prazo de entrega, bem como na hipótese de não devolução imediata do preço pelo exercício do direito de arrependimento. É fato que um dos objetivos do CDC é reequilibrar as relações de consumo, reconhecendo a posição de hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor, a qual pode se manifestar de diversas formas. Para essa finalidade, a legislação dispõe de um grande acervo de regras e medidas, inclusive dispondo sobre a nulidade de cláusulas contratuais livremente estabelecidas na aquisição de produtos ou serviços. Percebe-se, assim, uma clara relativização da liberdade contratual no bojo das relações de consumo: aplica-se o milenar princípio pacta sunt servanda até o momento em que se detecta a presença de cláusula abusiva ao consumidor. No entanto, deve-se ter em mente que a relativização desse princípio não significa sua extinção. Dessa maneira, enquanto não houver abusos, fornecedores e consumidores dispõem de uma grande margem de liberdade para a celebração de diferentes formas de contrato. É importante frisar que a imposição de multa moratória para a hipótese de atraso no pagamento da compra é revertida, sobretudo, em favor da instituição financeira que dá suporte à compra dos produtos adquiridos a prazo pelo consumidor, quando da cobrança da respectiva fatura. Sob este ângulo, sequer há reciprocidade negocial a justificar a intervenção judicial de maneira genérica nos contratos padronizados. Além disso, não se desconhece a tese firmada recentemente pela Segunda Seção de que "no contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial" (Tema repetitivo 971). Todavia, não parece ser apropriado utilizar as razões de decidir do referido julgamento em sede de recurso repetitivo para o correto deslinde da presente controvérsia, pois tratam de realidades muito distintas, com impactos diferenciados sobre o consumidor. Como regra, bens de consumo duráveis, se comparados com bens imóveis, possuem valores reduzidos, o que reduz na mesma proporção o impacto negativo das cláusulas penais aplicadas sobre seu preço. Além disso, bens de consumo duráveis não contam com a essencialidade que os bens imóveis possuem para aqueles que os adquirem, sendo muitas vezes o projeto de toda uma vida. De qualquer ângulo, percebe-se que é indevida a intervenção estatal para fazer constar cláusula penal genérica contra o fornecedor de produto em contrato padrão de consumo, pois além de violar os princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade, a própria legislação já prevê mecanismos de punição daquele que incorre em mora.
REsp 1.610.728-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/10/2019, DJe 14/10/2019. (Tema 4)
DIREITO MARCÁRIO
Propriedade intelectual. Soja roundup ready. Transgenia. Limitações do art. 10 da Lei n. 9.456/1997 (Lei de Proteção de Cultivares - LPC). Inoponibilidade ao titular de proteção patentária. Sistemas protetivos distintos. Princípio da exaustão. Inaplicabilidade. Tema 4.
As limitações ao direito de propriedade intelectual constantes do art. 10 da Lei n. 9.456/1997 - aplicáveis tão somente aos titulares de Certificados de Proteção de Cultivares - não são oponíveis aos detentores de patentes de produto e/ou processo relacionados à transgenia cuja tecnologia esteja presente no material reprodutivo de variedades vegetais.
O propósito recursal é definir se produtores de soja podem, sem que haja violação dos direitos de propriedade intelectual, reservar livremente o produto da soja transgênica Roundup Ready (soja RR) para replantio em seus campos de cultivo, vender a produção desse cultivo como alimento ou matéria-prima e, com relação apenas a pequenos produtores, doar a outros pequenos produtores rurais ou com eles trocar as sementes reservadas. A Lei n. 9.456/1997 (Lei de Proteção aos Cultivares - LPC) prevê situações em que, como forma de conferir equilíbrio à exclusividade outorgada pelo Certificado de Proteção de Cultivar, são impostas certas limitações à proteção dos direitos do melhorista. É o caso do chamado "privilégio do agricultor". Trata-se de exceção que confere aos agricultores o direito de livre acesso, em determinadas circunstâncias que não configurem exploração comercial à variedade vegetal protegida. Por outro lado, a Lei de Propriedade Industrial (LPI) - em consonância com as diretrizes traçadas no plano internacional e na esteira do dever imposto pela norma do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal de 1988 - autoriza o patenteamento de micro-organismos transgênicos, a fim de garantir, ao autor do invento, privilégio temporário para sua utilização. Ressalta-se que patentes e proteção de cultivares são diferentes espécies de direitos de propriedade intelectual, que objetivam proteger bens intangíveis distintos. Não há incompatibilidade entre os estatutos legais que os disciplinam, tampouco prevalência de um sobre o outro, pois se trata de regimes jurídicos diversos e complementares, em cujos sistemas normativos inexistem proposições contraditórias a qualificar uma mesma conduta. A marcante distinção existente entre o regime da LPI e o da LPC compreende, dentre outros, o objeto protegido, o alcance da proteção, as exceções e limitações oponíveis aos titulares dos respectivos direitos, os requisitos necessários à outorga da tutela jurídica, o órgão responsável pela análise e emissão do título protetivo e o prazo de duração do privilégio. O art. 2º da LPC impede o que se convencionou chamar de dupla proteção. Isso quer dizer que uma mesma variedade vegetal não pode ser protegida simultaneamente por uma patente e por um direito sui generis, tal qual o direito de proteção de cultivares. Ocorre que o âmbito de proteção a que está submetida a tecnologia desenvolvida não se confunde com o objeto da proteção prevista na Lei de Cultivares: as patentes não protegem a variedade vegetal, mas o processo de inserção e o próprio gene por elas inoculado nas sementes de soja RR. A proteção da propriedade intelectual na forma de cultivares abrange o material de reprodução ou multiplicação vegetativa da planta inteira, enquanto o sistema de patentes protege, especificamente, o processo inventivo ou o material geneticamente modificado. Pelo princípio da exaustão, em regra, uma vez que o adquirente tenha obtido o produto colocado licitamente no mercado, com o consentimento do titular, esgota-se o direito de patente sobre aquele produto específico e, via de consequência, não mais poderão ser opostas, dali em diante, a quem quer que seja, as vedações do art. 42 da LPI na futura exploração comercial do bem. Todavia, a parte final do inc. VI do art. 43 da LPI expressamente prevê que não haverá exaustão na hipótese de o produto patenteado ser "utilizado para multiplicação ou propagação comercial da matéria viva em causa". O "privilégio do agricultor" previsto na LPC, portanto, não é oponível ao titular de patentes de produto e/ou processo na hipótese de ser utilizada a matéria viva a elas relacionada para fins de multiplicação ou propagação comercial, pois não se trata de limitação estabelecida aos direitos tutelados pelo regime jurídico sobre o qual está assentado o sistema de patentes adotado pelo Brasil.
RMS 54.554-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 01/10/2019, DJe 10/10/2019
DIREITO ADMINISTRATIVO
Estágio em prorrogação. Ministério Público do Estado de São Paulo. Exercício de atividade privativa de bacharel em Direito. Concurso público. Prova de títulos. Pontuação. Possibilidade.
A atividade denominada estágio em prorrogação do Ministério Público do Estado de São Paulo deve ser considerada privativa de bacharel em Direito para fins de atribuição de pontos pelo exercício de atividade jurídica na prova de títulos em concurso público.
A criação de uma função anômala no Ministério Público do Estado de São Paulo, sob a denominação de estágio em prorrogação, totalmente fora das regras previstas para o exercício de estágio ou de cargo público, mas para a qual era obrigatória a apresentação do certificado de colação de grau, não afasta o direito daqueles que tinham a confiança - em razão da existência de legislação própria - de que o tempo de serviço em atividade privativa de bacharel em Direito seria considerado como atividade jurídica. A jurisprudência pátria, primando pelo livre e amplo acesso a cargos e empregos públicos, tem admitido relativa flexibilização da exigência de comprovação de atividade jurídica quando do exercício de cargo não privativo de bacharel em Direito. Assim, comprovando o candidato o exercício de função privativa de bacharel em Direito, nos moldes exigidos pelo edital, faz jus à atribuição dos pontos na prova de títulos.
REsp 1.817.179-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 02/10/2019
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO TRIBUTÁRIO
Descaminho e/ou contrabando praticado pelo condutor-locatário. Veículo transportador. Propriedade. Locadora de veículos. Não participação no ilícito. Pena de perdimento. Ilegalidade.
É ilegal a pena de perdimento do veículo pela locadora que não teve participação no crime de contrabando e/ou descaminho.
Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e estipular a competente penalidade para as hipóteses que determinar, ao mesmo tempo em que ninguém pode ser privado de seus bens sem a observância do devido processo legal. À luz dos arts. 95 e 104 do DL n. 37/1966 e do art. 668 do Decreto n. 6.759/2009, a pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao proprietário do bem quando, com dolo, proceder à internalização irregular de sua própria mercadoria. Assim, a pessoa jurídica, proprietária do veículo, que exerce a regular atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria, exceção que, à míngua de previsão legal, não pode ser equiparada à não investigação dos "antecedentes" do cliente, os quais, em tese, poderiam indicar eventual intenção de prática de descaminho/contrabando.
REsp 1.735.097-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Sentença ilíquida contra o INSS. Art. 496, § 3º, I, CPC/2015. Novos parâmetros. Condenação ou proveito econômico inferior a mil salários mínimos. Remessa necessária. Dispensa. Súmula 490/STJ. Inaplicabilidade.
Após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, é dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo valor mensurável da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos.
A orientação da Súmula n. 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos. Registre-se que, neste ponto, o CPC/2015 não inovou, porquanto o Código de Processo Civil de 1973 também disciplinava da mesma forma, quando dispensava a remessa necessária "sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos" (art. 475, § 2º, CPC/1973). O ponto distinguidor está no valor da condenação, ou do proveito econômico, que sofreu uma alteração substancial. Antes eram dispensadas da remessa necessária as sentenças condenatórias até sessenta salários mínimos. Atualmente, porém, a lei traça um escalonamento entre os entes públicos, dispensando do duplo grau obrigatório aquelas sentenças contra a União, e suas autarquias, cujo limite seja inferior a mil salários mínimos. A elevação do limite para conhecimento da remessa necessária significa uma opção pela preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade na busca pela duração razoável do processo, pois, além dos critérios previstos no § 4º do art. 496 do CPC/2015, o legislador elegeu também o do impacto econômico para impor a referida condição de eficácia de sentença proferida em desfavor da Fazenda Pública (§ 3º). A novel orientação legal atua positivamente tanto como meio de otimização da prestação jurisdicional - ao tempo em que desafoga as pautas dos tribunais - quanto como de transferência aos entes públicos e suas respectivas autarquias e fundações da prerrogativa exclusiva sobre a rediscussão da causa, que se dará por meio da interposição de recurso voluntário. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente. Após o CPC/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos.
REsp 1.797.365-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 03/10/2019, DJe 22/10/2019
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tutela antecipada concedida em caráter antecedente. Estabilização. Não interposição de agravo de instrumento. Preclusão. Apresentação de contestação. Irrelevância.
Apenas a interposição de agravo de instrumento contra a decisão antecipatória dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente é que se revela capaz de impedir a estabilização, nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil.
A não utilização da via própria - agravo de instrumento - para a impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de revisão, excetuando a hipótese da ação autônoma. Não merece guarida o argumento de que a estabilidade apenas seria atingida quando a parte ré não apresentasse nenhuma resistência, porque, além de caracterizar o alargamento da hipótese prevista para tal fim, poderia acarretar o esvaziamento desse instituto e a inobservância de outro já completamente arraigado na cultura jurídica, qual seja, a preclusão. Isso porque, embora a apresentação de contestação tenha o condão de demonstrar a resistência em relação à tutela exauriente, tal ato processual não se revela capaz de evitar que a decisão proferida em cognição sumária seja alcançada pela preclusão, considerando que os meios de defesa da parte ré estão arrolados na lei, cada qual com sua finalidade específica, não se revelando coerente a utilização de meio processual diverso para evitar a estabilização, porque os institutos envolvidos - agravo de instrumento e contestação - são inconfundíveis. Interpretação diversa acabaria impondo requisitos cumulativos para o cabimento da estabilização da tutela deferida em caráter antecedente: i) a não interposição de agravo de instrumento; e ii) a não apresentação de contestação. Ora, tal conclusão não se revela razoável, porquanto a ausência de contestação já caracteriza a revelia e, em regra, a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, tornando inócuo o inovador instituto. Outrossim, verifica-se que, durante a tramitação legislativa, optou-se por abandonar expressão mais ampla - "não havendo impugnação" (sem explicitação do meio impugnativo) - e o art. 304 da Lei n. 13.105/2015 adveio contendo expressão diversa - "não for interposto o respectivo recurso". Logo, a interpretação ampliada do conceito caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional.
REsp 1.765.707-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/08/2019, DJe 11/10/2019
DIREITO ADMINISTRATIVO
Enfiteuse. Transmissão de obrigação. Multa. Art. 116, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946. Prescrição. Termo inicial. Ciência da transferência do aforamento pela União. Averbação do título na Secretaria de Patrimônio da União.
O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760/1946 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas.
Os terrenos de marinha que são objeto de aforamento são regidos por legislação própria, de sorte que a alienação do domínio útil de imóveis da União submetido ao regime enfitêutico somente ocorre após verificado que o transmitente está em dia com as obrigações no patrimônio da União e depois de pago o laudêmio. O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança da multa prevista no § 2º do art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760/1946 é a data em que a União tem ciência efetiva da ausência de transferência das obrigações enfitêuticas, pois a transferência de aforamento somente ocorre após a averbação, no órgão local da Secretaria de Patrimônio da União, do título de aquisição já registrado no Registro de Imóveis. Assim, a comunicação à Secretaria de Patrimônio da União é o momento em que a União toma conhecimento da alienação, sendo irrelevante a data em que emitida a Declaração de Operação Imobiliária, prevista pelos artigos 15 do Decreto-Lei n. 1.510/1976 e 8º da Lei n. 10.426/2002.
REsp 1.666.294-DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 05/09/2019, DJe 11/10/2019
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PENAL
Condenação transitada em julgado. Homicídio qualificado. Cumprimento integral da pena. Art. 64, I, do CP. Antecedentes criminais. Ausência de idoneidade moral. Exercício da atividade de vigilante. Impossibilidade.
A existência de condenação criminal transitada em julgado impede o exercício da atividade profissional de vigilante por ausência de idoneidade moral.
A orientação do STJ é no sentido de que, não havendo sentença condenatória transitada em julgado, a existência de processo em andamento não pode ser considerada antecedente criminal a obstar a matrícula em curso de reciclagem para vigilante, em respeito ao princípio da presunção de inocência. Contudo, no caso, a condenação transitada em julgado pela prática do crime de homicídio qualificado impede o exercício da atividade profissional de vigilante, ainda que a pena tenha sido integralmente cumprida, diante da ausência de idoneidade moral, prevista no art. 16, VI, da Lei n. 7.102/1983, que exige a inexistência de antecedentes criminais registrados. Ademais, não prospera a tese de que o art. 64, I, do Código Penal teria sido violado, sob o argumento de que tal dispositivo seria aplicável apenas para fins de reincidência, pois, ainda que tenha sido ultrapassado o lapso temporal de cinco anos descrito no citado dispositivo, a condenação anterior transitada em julgado é considerada como maus antecedentes. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça adota o sistema da perpetuidade para essa prática.
REsp 1.784.755-MT, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 17/09/2019, DJe 01/10/2019
DIREITO AMBIENTAL
Madeira transportada irregularmente. Guia de autorização de transporte. Inobservância dos limites. Apreensão de toda a mercadoria. Possibilidade.
O transporte em quantidade excessiva de madeira, não acobertada pela respectiva guia de autorização, legitima a apreensão de toda a mercadoria.
Os arts. 46, parágrafo único, 50, 50-A e 70, da Lei n. 9.605/1998 tipificam simultaneamente como crime e infração administrativa o transporte ou a guarda de madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, assim como a atividade de desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, sem a devida licença por parte da autoridade competente. Os arts. 25 e 72, IV, do referido normativo, por sua vez, disciplinam a apreensão dos produtos e instrumentos utilizados na prática da infração ambiental. Reduzir a apreensão de madeira ao quantitativo de carga efetivamente excedente ao indicado na respectiva guia de transporte, além de caracterizar medida não prevista na legislação de regência, traduz-se em providência contrária aos objetivos das leis de proteção ao meio ambiente. A medida de apreensão da totalidade da carga transportada consiste em importante mecanismo para a tutela do meio ambiente, em razão do efeito dissuasório imediato que produz sobre o infrator ou aquele que contribuiu para a prática da conduta ilícita. Isso porque a apreensão de bens gera, ainda que provisoriamente, a descapitalização da parte envolvida no ilícito, evita a reiteração da prática, facilita a recuperação do dano e, ainda, contribui para a garantia do resultado prático do processo administrativo. Ademais, tratando-se da infração ambiental, a aplicação da técnica de ponderação deve ter como premissa a especial proteção jurídica conferida pela Constituição Federal ao tema, a exemplo do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como a conscientização de que o fundamento da livre iniciativa, previsto no art. 170 da Carta Magna, tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna, e também deve obediência ao princípio de defesa do meio ambiente. Na situação em debate, tem-se, de um lado, a proteção do patrimônio daquele flagrado com quantidade de madeira em descompasso com a autorizada e, de outro, a magnitude dos direitos e interesses difusos em matéria ambiental, bem como a própria efetividade da legislação de proteção ao meio ambiente. Diante desse cenário, não há dúvida de que eventual interesse na liberação da quantidade de madeira autorizada na guia de transporte deve ceder em função da gravidade da lesão consistente no desrespeito aos limites previamente estipulados pela autoridade competente.
AREsp 1.470.017-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe 18/10/2019
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Encerramento do julgamento de mérito do recurso ou da ação originária. Instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR. Impossibilidade. Julgamento de Embargos de Declaração pendentes. Irrelevância.
Não caberá a instauração de IRDR se já encerrado o julgamento de mérito do recurso ou da ação originária, mesmo que pendente de julgamento embargos de declaração.
A instauração do IRDR é cabível quando um dos legitimados do art. 977 do CPC/2015 demonstrar, simultaneamente, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (art. 976, I e II, do CPC/2015). Ademais, o art. 978, parágrafo único, do mesmo Código dispõe que o órgão colegiado incumbido de analisar o mérito do incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso que o originou. Por essa razão, a doutrina afirma que o cabimento do IRDR condiciona-se à pendência de julgamento, no tribunal, de uma causa recursal ou originária. Se já encerrado o julgamento, não caberá mais a instauração do IRDR, senão em outra causa pendente; mas não naquela que já foi julgada. A propósito o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado n. 344, que assim dispõe: "A instauração do incidente pressupõe a existência de processo pendente no respectivo tribunal". A pendência do julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão do agravo de instrumento revela um momento processual em que já houve quase que o esgotamento da apreciação do mérito, tratando-se de momento inicial inadequado para a formação do precedente do jaez do IRDR. O diferimento da análise da seleção da causa e admissibilidade do IRDR para o momento dos embargos de declaração importaria prejuízo à paridade argumentativa processual, considerando que esse desequilíbrio inicial certamente arriscaria a isonômica distribuição do ônus argumentativo a ser desenvolvido, mesmo que os argumentos fossem pretensamente esgotados durante o curso do incidente.
REsp 1.817.845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 10/10/2019, DJe 17/10/2019
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Assédio processual. Abuso do direito de ação e de defesa. Ajuizamento sucessivo e repetitivo de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso. Reconhecimento como ato ilícito. Possibilidade.
O ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual.
Inicialmente cumpre salientar que é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo. Especificamente dos precedentes formados nos Estados Unidos da América, que se extrai fundamentação substancial para coibir o abusivo do exercício do direito de peticionar e de demandar, isto é, para a proibição do que se convencionou chamar de sham litigation. A despeito de a doutrina da sham litigation ter se formado e consolidado enfaticamente no âmbito do direito concorrencial, absolutamente nada impede que se extraia, da ratio decidendi daqueles precedentes que a formaram, um mesmo padrão decisório a ser aplicado na repressão aos abusos de direito material e processual, em que o exercício desenfreado, repetitivo e desprovido de fundamentação séria e idônea pode, ainda que em caráter excepcional, configurar abuso do direito de ação. No caso, é fato incontroverso que os recorridos efetivamente se utilizaram de área, ocupada com base em procuração falsa, para o desenvolvimento de cultura agrícola, em flagrante prejuízos aos proprietários, por longas décadas, valendo-se, para atingir esse objetivo, de sucessivas e reiteradas ações judiciais desprovidas de fundamentação idônea. A longa batalha enfrentada pelos herdeiros até a efetiva retomada das suas terras teve início há décadas e perdurou por longos anos, com todos os entraves possíveis e com o uso abusivo do direito de acesso à justiça.
REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019
DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Adoção. Idade. Diferença Mínima. Art. 42, § 3º, do ECA (Lei n. 8.069/1990). Flexibilização. Possibilidade. Princípio da socioafetividade.
A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado pode ser flexibilizada à luz do princípio da socioafetividade.
A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção (art. 42, § 3º, do ECA). No entanto, a adoção é sempre regida pela premissa do amor e da imitação da realidade biológica, sendo o limite de idade uma forma de evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção.
REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 15/10/2019
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Reconhecimento pelo STJ de matéria repetitiva. Suspensão do processo na origem. Decisão interlocutória que resolve o requerimento de distinção. Agravo de instrumento. Cabimento. Art. 1.037, § 13, I, do CPC/2015.
Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos.
Na vigência do CPC/1973, o STJ consolidou entendimento de que a decisão que determinava o sobrestamento dos recursos extraordinários e recursos especiais repetitivos não selecionados como paradigmas era irrecorrível. No entanto, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, houve uma severa mudança de entendimento a partir do disposto no art. 1.037, § 13, inciso I, que prevê o agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que resolve o requerimento de distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado (§ 9º), no caso de sobrestamento de processos em razão de recursos repetitivos.
REsp 1.669.968-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
Ação monitória. Cheque prescrito. Perda dos atributos cambiários. Possibilidade de oposição de exceção pessoal.
É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito.
Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia. Desse princípio, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/1985). Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro da jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
REsp 1.221.372-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe 21/10/2019
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
Impenhorabilidade do bem de família. Construção de imóvel residencial. Contrato de empreitada. Exceção caracterizada. Art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990.
O crédito oriundo de contrato de empreitada para a construção, ainda que parcial, de imóvel residencial, encontra-se nas exceções legais à impenhorabilidade do bem de família.
O artigo 3º, inciso II, da Lei n. 8.009/1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. Para os efeitos estabelecidos no citado dispositivo legal, o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu - decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado - como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista. Em todas essas situações, dá-se a constituição de uma operação de crédito, efetiva dívida para a aquisição/construção do imóvel na modalidade parcelada.
RMS 54.183-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 13/08/2019, DJe 02/09/2019
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Defensoria Pública. Abandono do plenário do júri. Situação que configura abandono da causa. Art. 265 do CPP. Multa aplicada ao defensor público. Impossibilidade. Multa que deve ser suportada pela instituição. Ação regressiva. Possibilidade.
A multa por abandono do plenário do júri por defensor público, com base no art. 265 do CPP, deve ser suportada pela Defensoria Pública, sem prejuízo de eventual ação regressiva.
Registre-se, inicialmente, que a punição do advogado, nos termos do art. 265 do Código de Processo Penal, não entra em conflito com sanções aplicáveis pelos órgãos a que estão vinculados os causídicos, uma vez que estas têm caráter administrativo, e a multa do Código de Processo Penal tem caráter processual. Ademais, o próprio texto da norma ressalva a possibilidade de aplicação de outras sanções. Recorde-se que o reconhecimento de que os advogados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública exercem funções essenciais à Justiça não lhes outorga imunidade absoluta. No caso, estando devidamente fundamentado o indeferimento do pleito da defesa, nos estritos termos da lei, a justificativa apresentada pelo defensor público não revela motivo imperioso para abandono do plenário do júri. Não se pode descurar, ademais, que existem meios processuais próprios para que a defesa possa se insurgir contra o indeferimento de seus pleitos, motivo pelo qual não se pode ressalvar a conduta sancionada. No que concerne à questão institucional, o Defensor Público, em sua atuação na defesa das pessoas hipossuficientes, exerce munus público em nome da Defensoria Pública. Assim, as sanções aplicadas aos seus membros, nesse contexto, devem ser suportadas pela instituição, sem prejuízo de eventual ação regressiva, acaso verificado excesso nos parâmetros ordinários de atuação profissional, com abuso do direito de defesa.
REsp 1.757.543-RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/09/2019, DJe 07/10/2019
DIREITO PENAL
Dívida de corrida de táxi. Coisa alheia móvel. Não caracterização.
A dívida de corrida táxi não pode ser considerada coisa alheia móvel para fins de configuração da tipicidade dos delitos patrimoniais.
No caso, o agente se negou a efetuar o pagamento da corrida de táxi e desferiu um golpe de faca no motorista, sem (tentar) subtrair objeto algum, de modo a excluir o animus furandi, o que afasta a conduta do núcleo do tipo de roubo qualificado pelo resultado, composto pelo verbo subtrair e pelo complemento "coisa alheia móvel". A equiparação da dívida de transporte com a coisa alheia móvel prevista no tipo do art. 157 do Código Penal não pode ser admitida em razão dos princípios elementares da tipicidade e da legalidade estrita que regem a aplicação da lei penal. A doutrina conceitua coisa como "tudo aquilo que existe, podendo tratar-se de objetos inanimados ou de semoventes". Ademais, embora a dívida do agente para com o motorista tenha valor econômico, de coisa não se trata, ao menos para fins de definição jurídica exigida para a correta tipificação da conduta. Aliás, de acordo com a doutrina, "os direitos reais ou pessoais não podem ser objeto de furto".
REsp 1.759.135-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 13/08/2019, DJe 01/10/2019
DIREITO PENAL
Assédio sexual. Art. 216-A do Código Penal. Relação professor-aluno. Existência de superioridade hierárquica ou ascendência em razão do emprego, cargo ou função. Uso da profissão para obtenção de vantagem sexual. Conduta típica.
É possível a configuração do delito de assédio sexual na relação entre professor e aluno.
Inicialmente cumpre salientar que a maior parte da doutrina despreza a condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função na relação professor-aluno. Todavia, é irrazoável excluir a (nítida) relação de ascendência - elemento normativo do tipo - por parte do docente no caso de violação de um de seus deveres funcionais e morais, consistente em atribuir notas, reconhecer o mérito e aprovar o aluno não apenas pelo seu desempenho intelectual, mas por eventual barganha sexual. Ademais, é notório o propósito do legislador de punir aquele que se prevalece da condição de professor para obter vantagem de natureza sexual. Nenhuma outra profissão suscita tamanha reverência e vulnerabilidade quanto a que envolve a relação aluno-mestre, que alcança, por vezes, autoridade paternal - dentro de uma visão mais tradicional do ensino. O professor está presente na vida de crianças, jovens e também adultos durante considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a formação cidadã e profissional, motivo pelo qual a "ascendência" constante do tipo penal do art. 216-A do Código Penal não pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Assim, releva-se patente a aludida "ascendência", em virtude da "função" - outro elemento normativo do tipo -, dada a atribuição que tem o cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação.
ProAfR no REsp 1.815.461-AL, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por maioria, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019 (Tema 1028)
DIREITO ADMINISTRATIVO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.818.872/PE, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: (In)compatibilidade de exercício da advocacia por servidor ocupante de cargo público de agente de trânsito, à luz do disposto no artigo 28, inciso V, da Lei n. 8.906/94.
ProAfR no REsp 1.830.508-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 01/10/2019, DJe 21/10/2019 (Tema 1031)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.831.371/SP e o REsp 1.831.377-PR, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: possibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, exercida após a edição da Lei n. 9.032/1995 e do Decreto n. 2.172/1997, com ou sem o uso de arma de fogo.
ProAfR no REsp 1.807.665-SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/09/2019, DJe 21/10/2019 (Tema 1030)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Possibilidade, ou não, à luz do art. 3º da Lei n. 10.259/2001, de a parte renunciar ao valor excedente a sessenta salários mínimos, aí incluídas prestações vincendas, para poder demandar no âmbito dos juizados especiais federais".
ProAfR no REsp 1.804.188-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 21/10/2019 (Tema 1029)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.804.186/SC, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: aplicabilidade do rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009) ao Cumprimento de Sentença individual oriundo de Ação Coletiva que seguiu o procedimento ordinário em Vara da Fazenda Pública, independentemente de haver Juizado Especial instalado no foro competente.
ProAfR no REsp 1.755.866-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 15/10/2019, DJe 21/10/2019 (Tema 1032)
DIREITO DO CONSUMIDOR
A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.809.486/SP, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: definição da tese alusiva à legalidade ou abusividade de cláusula contratual de plano de saúde que estabelece o pagamento parcial pelo contratante, a título de coparticipação, na hipótese de internação hospitalar superior a 30 dias decorrente de transtornos psiquiátricos.
ProAfR no REsp 1.825.622-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 24/09/2019, DJe 15/10/2019 (Tema 1027)
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A Terceira Seção acolheu a proposta de afetação do recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, conjuntamente com o REsp 1.808.389/AM, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "Saber se, nos crimes previstos na Lei n. 11.343/2006, deve ser aplicado o rito processual disposto no art. 400 do Código de Processo Penal, em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ou o rito específico da legislação própria (art. 57 da Lei n. 11.343/2006), em razão do princípio da especialidade".