AgInt no AREsp 2.380.545-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO
O entendimento firmado no Tema 1.199/STF aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado.
Inicialmente, a questão jurídica referente à aplicação da Lei n. 14.230/2021 - em especial, no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente - teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (Tema n. 1.199/STF).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 18/8/2022, apreciando tal questão, fixou, por unanimidade, as seguintes teses: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - dolo; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; e 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Ao se examinar as teses sufragadas pela Suprema Corte submetidas ao regime de repercussão geral, constata-se que, a despeito de ser reconhecida a irretroatividade da norma benéfica advinda da Lei n. 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, o STF autorizou a aplicação da lei nova, quanto a tal aspecto, aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada.
Nesse passo, a Primeira Turma desta Corte Superior, por maioria, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, realizado em 09/05/2023, seguindo a divergência apresentada pela Min. Regina Helena Costa, firmou orientação no sentido de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da NLIA, adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199/STF.
A despeito de ser esse o entendimento deste Colegiado, a Suprema Corte, em momento posterior, ampliou a aplicação da referida tese ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado, nos termos dos seguintes precedentes: ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, relator para Acórdão Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 06/09/2023 e RE 1452533 AgR, relator Ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe 21/11/2023
A propósito do tema, vale transcrever excerto do voto proferido pelo Ministro Alexandre Moraes, por ocasião do julgado do RE 1452533 AgR, acima referido: "No presente processo, os fatos datam de 2012 - ou seja, muito anteriores à Lei 14.230/2021, que trouxe extensas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, e o processo ainda não transitou em julgado. Assim, tem-se que a conduta não é mais típica e, por não existir sentença condenatória transitada em julgado, não é possível a aplicação do art. 11 da Lei 8.429/1992, na sua redação original. Logo, deve se aplicar ao caso a tese fixada no Tema n. 1.199, pois, da mesma maneira que houve abolitio criminis no caso do tipo culposo houve, também, nessa hipótese, do artigo 11. Portanto, conforme registra o Eminente Relator, o acórdão do Tribunal de origem no presente caso ajusta-se ao entendimento do Plenário do SUPREMO no Tema n. 1.199, razão pela qual não merece reparos".
No caso concreto, a recorrente foi condenada por violação ao art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, hoje revogado pela lei Lei n. 14.230/2021, evidenciando-se, desse modo, a improcedência do pedido ministerial. Assim, deve ser julgada improcedente a presente ação de improbidade administrativa.
AREsp 2.272.508-RN, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO
A demonstração do requisito da urgência para a indisponibilidade de bens, prevista no art. 16 da Lei de Improbidade Administrativa (com a redação dada pela Lei n. 14.230/2021), tem aplicação imediata ao processo em curso dado o caráter processual da medida.
No caso, a discussão versa sobre a presença ou não dos requisitos para a concessão da medida cautelar de indisponibilidade de bens, no bojo de ação de improbidade administrativa.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.366.721/BA, DJe 19/9/2014, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973, correspondente ao art. 1.036 e seguintes do CPC de 2015, havia assentado a orientação de que, havendo indícios da prática de atos de improbidade, seria possível o deferimento da medida cautelar de indisponibilidade, sendo presumido o requisito do periculum in mora.
Por sua vez, o Tribunal de Origem, ao confirmar a decisão do juízo de primeiro grau, que indeferiu o pedido de indisponibilidade de bens diante da não demonstração do risco de ineficácia de eventual tutela ressarcitória, passou ao largo da jurisprudência pacificada nesta Corte, que dispensava o exame do requisito da urgência para o deferimento da medida cautelar, porquanto presumido.
Contudo, a nova redação sobre a matéria na Lei n. 8.429/1992, dada pela Lei n. 14.230/2021, o art. 16, caput e § 3º, da Lei 8.429/1992, advinda supervenientemente ao julgamento da Corte de origem, passou a exigir, além da plausibilidade do direito invocado, a demonstração do requisito da urgência para o deferimento da indisponibilidade de bens, em ação de improbidade administrativa, nos seguintes termos de seu § 3º: "O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial [...]".
Dessa forma, por possuir natureza de tutela provisória de urgência cautelar, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo, a decisão de indisponibilidade de bens reveste-se de caráter processual, de modo que, por força do art. 14 do CPC/2015, a norma mencionada deve ter aplicação imediata ao processo em curso. Nesse passo, é de rigor a manutenção da decisão recorrida por motivação diversa, nada vedando que novo pleito cautelar seja formulado nas instâncias ordinárias.
AgInt no AgInt no RMS 32.325-CE, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 14/2/2024.
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
O prazo decadencial para impetrar mandado de segurança contra fixação de base de cálculo tida por ilegal - em ato de deferimento de aposentadoria de servidor público - inicia-se com a ciência desse ato, sem prejuízo de cobrança de parcelas pela via ordinária quando não indeferido o direito de fundo.
O mandado de segurança foi impetrado, na origem, objetivando corrigir suposta ilegalidade na definição da base de cálculo de vantagem, que integraria os proventos, por ocasião do processo de aposentadoria de servidor público. O que se investiga é o prazo decadencial da impetração, que, nos termos do art. 23 da Lei n. 12.016/2009, começa a fluir da ciência do ato coator.
Inicialmente, observa-se que os proventos de aposentadoria são pagos, com efeito, mensalmente, de modo que a pretensão de cobrança de parcelas de proventos, se não tiver sido negado o próprio direito reclamado, está sujeita, inclusive, à prescrição (Súmula 85/STJ), tudo a espelhar típica relação de trato sucessivo.
Ocorre, contudo, que os proventos não são fixados mês a mês. Eles são (e foram) fixados no ato de aposentadoria, praticado uma única vez (conquanto de efeitos que se protraem no tempo). Esse exercício de subsunção confere efetividade (ou amolda-se) à consolidada jurisprudência, em que a extinção da segurança por decadência, para a impetração, não obsta a dedução da pretensão pela via ordinária. Nesse sentido, confiram-se: RMS n. 31.113/AL, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 13/12/2011, DJe de 1/2/2012 e RMS n. 32.126/CE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/8/2010, DJe de 16/9/2010.
Nesse sentido, na altura desses precedentes, prestigia-se, porque razoável, a interpretação de que o prazo decadencial, para impetrar mandado de segurança contra fixação de base de cálculo tida por ilegal em ato de deferimento de aposentadoria, inicia-se com a ciência desse ato, sem prejuízo de cobrança de parcelas pela via ordinária - desde que não indeferido o direito de fundo -, pretensão sujeita à prescrição (Súmula 85/STJ).
Não se ignora, ainda, a orientação do Supremo Tribunal Federal, seguida por esta Corte, sobre a natureza do ato de concessão de aposentadoria: "'ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas [...]'".
Sendo assim, se o ato apontado como coator é a alegada ilegalidade na definição da base de cálculo ou se este ato teve efeitos concretos e imediatos, os impetrantes passaram a receber proventos, calculados levando em conta a aludida base de cálculo, imediatamente após a assinatura do ato de aposentadoria, desinfluente a natureza complexa do ato de concessão de aposentadoria.
AgInt no REsp 2.439.111-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
O dia de Corpus Christi é considerado feriado local para fins de comprovação da tempestividade recursal.
Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o dia de Corpus Christi não é feriado nacional, motivo pelo qual é imprescindível a comprovação da suspensão do expediente forense na origem no ato de interposição do Recurso. Nessa linha: "a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de cinzas, os dias da Semana Santa que antecedem a Sexta-Feira da Paixão, o dia de Corpus Christi e o do servidor público são considerados feriados locais para fins de comprovação da tempestividade recursal". (AgInt no AREsp n. 2.247.475/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 26/6/2023).
REsp 2.082.860-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.
DIREITO CIVIL
É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívida contraída para reforma deste imóvel.
Cinge-se a controvérsia em definir se a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990 se aplica à dívida contraída para reforma do imóvel.
As regras que estabelecem hipóteses de impenhorabilidade não são absolutas. O próprio art. 3º da Lei n. 8.009/1990 prevê uma série de exceções à impenhorabilidade, entre as quais está a hipótese em que a ação é movida para cobrança de crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (inciso II).
Da exegese do comando do art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990, fica evidente que a finalidade da norma foi coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem.
É nítida a preocupação do legislador no sentido de impedir a deturpação do benefício legal, vindo a ser utilizado como artifício para viabilizar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem nenhuma contrapartida, à custa de terceiros.
No particular, o débito objeto de cumprimento de sentença foi contraído pela recorrente junto às recorridas com a finalidade de implementação de reforma no imóvel residencial, razão pela qual incide o disposto no art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990.
Portanto, a dívida relativa a serviços de reforma residencial se enquadra na referida exceção.
REsp 2.095.740-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 9/2/2024.
DIREITO CIVIL
Ação de busca e apreensão. Alienação fiduciária. Decreto-Lei n. 911/1969. Registro da garantia no certificado de registro de veículo. Desnecessidade. Eficácia entre as partes. Veículo registrado em nome de terceiro. Necessidade de prova da tradição do bem ao devedor fiduciante. Requisito de eficácia da garantia entre as partes.
A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes.
A controvérsia consiste em definir se o registro da alienação fiduciária no órgão de trânsito é requisito para o ajuizamento da ação de busca e apreensão e se o fato de o veículo estar registrado em nome de terceiro constitui óbice ao prosseguimento da demanda.
A ação de busca e apreensão é uma ação autônoma de conhecimento (art. 3º, §8º, do Decreto-Lei n. 911/1969) que tem por finalidade a retomada do bem pelo credor fiduciário. A petição inicial deve indicar o valor da integralidade da dívida pendente (art. 3º, §2º, do Decreto-Lei n. 911/1969) e devem ser observados os requisitos estabelecidos nos arts. 319 e 320 do CPC.
São documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação de busca e apreensão a comprovação da mora do devedor fiduciante (Súmula n. 72/STJ) e o contrato escrito celebrado entre as partes. Além disso, se o bem objeto da alienação fiduciária estiver registrado em nome de terceiro, a petição inicial deverá ser instruída com prova de que a posse do bem foi transferida ao devedor. Isso porque, a alienação fiduciária somente tem eficácia entre as partes contratantes (comprador e financiador) a partir do momento em que o devedor se torna proprietário do bem, o que ocorre com a tradição (arts. 1.267 e 1.361, § 3º, do CC).
A anotação da alienação fiduciária no certificado de registro do veículo não constitui requisito para a propositura da ação de busca e apreensão, uma vez que o registro é condição de eficácia da garantia perante terceiros e não entre os contratantes.
No particular, as partes celebraram contrato de financiamento de veículo com pacto acessório de alienação fiduciária, o qual não foi registrado no órgão de trânsito competente, o que, todavia, não é exigido para ação de busca e apreensão. Mas, sendo o proprietário registral terceiro estranho à lide, cabe à recorrente (credora fiduciária) comprovar a tradição do veículo ao recorrido (devedor fiduciante).
AgInt no REsp 1.881.482-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.
DIREITO CIVIL
Promessa de compra e venda. Atraso na entrega da obra. Rescisão contratual. Retorno ao status quo ante. Indenização. Restituição integral dos valores despendidos com o imóvel com os encargos legais. Lucros cessantes. Descabimento. Interesse contratual negativo. Presunção de prejuízo. Afastamento.
É indevido o pagamento de indenização por lucros cessantes, no caso de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento da promitente vendedora.
Inicialmente, ressalta-se que a jurisprudência desta Corte é pacífica quanto ao cabimento de lucros cessantes em razão do descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, havendo presunção de prejuízo do promitente comprador. Nesse sentido, concluiu a Segunda Seção que os valores a título de lucros cessantes seriam devidos desde o dia seguinte à data pactuada para entrega até o dia de ingresso dos autores na posse do imóvel, já que esse seria o tempo em que teriam permanecido privados do bem em descumprimento aos termos do contrato.
Todavia, no universo de casos que vêm sendo trazidos à apreciação das turmas da Segunda Seção, é possível distinguir duas situações principais. No primeiro grupo, a parte compradora ainda anseia por receber o imóvel adquirido na planta, mas requer a condenação da vendedora por lucros cessantes, entre outras parcelas indenizatórias, em decorrência do atraso em sua entrega. Em tais casos, a presunção de lucros cessantes advém da circunstância de que o comprador se viu privado da posse do bem na data aprazada e, por isso, teve custear outra moradia, ou deixar de alugar o imóvel durante o período de atraso.
No segundo grupo, estão as ações em que o adquirente, insatisfeito com o atraso, postula a resolução do contrato, cumulada com pedido de indenização, inclusive lucros cessantes, consubstanciados nos aluguéis que deixou de receber ou acabou por ter despendido em decorrência da mora. Em tais casos, deve-se realizar diferenciação em relação aos precedentes da Segunda Seção, exatamente pelo fato de que não é jurídico reconhecer o pedido de lucros cessantes de forma presumida quando o pedido principal da parte compradora é precisamente resilir o contrato com o retorno ao estado anterior em que as partes se encontravam antes da contratação.
Com efeito, o art. 475 do Código Civil assim dispõe: "a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". Interpretando esse dispositivo, é possível perceber que o corolário natural da dissolução da relação contratual consiste no retorno das partes às posições ocupadas antes da contratação. É o que determina o art. 182 do Código Civil relativo à ação de nulidade, mas aplicável analogicamente ao remédio resolutivo, quando dispõe: "restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restitui-las, serão indenizadas pelo equivalente."
Ademais, como a resolução acaba por extinguir a relação contratual entre as partes e não propriamente o contrato, extinta esta, surgirá nova relação (relação de liquidação para restituir as partes ao status quo ante (restituição) e, eventualmente, indenização ao credor pelo dano sofrido (art. 475 do Código Civil)). Dessa forma, o credor da obrigação não deve receber nem mais nem menos do que forneceu, porque a reconstituição de uma situação jurídica em seguida à resolução é o retorno ao estado que existira anteriormente ao ato. A questão, contudo, é delimitar o que pertenceria à restituição desses valores: se abarcariam os lucros cessantes presumidos, delimitados esses como os aluguéis que a parte agravada deixou de receber pela coisa, ou não.
Para explicar a situação indenizatória quando há resolução de contrato por não cumprimento da avença, a maioria da doutrina tradicional trabalha com a distinção entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, o mesmo acontecendo na jurisprudência. Assim, se o credor optar por pleitear o cumprimento da obrigação terá direito também ao ressarcimento de todos os prejuízos sofridos (danos emergentes e lucros cessantes), ou seja, será colocado na mesma situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido voluntariamente e no modo/tempo/lugar devido (chamado interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento).
Por outro lado, se o credor optar pela resolução do contrato, só poderá pedir de forma cumulada a indenização relacionada aos danos que sofreu pela alteração da sua posição contratual. Será, portanto, ressarcido na importância necessária para colocá-lo na mesma situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo). O que não cabe é a cumulação das indenizações que seriam resultantes da pretensão de cumprimento do contrato, com as que decorreriam da pretensão de resolução do mesmo pacto.
Dessa forma, na hipótese de se requer a resolução do compromisso de compra e venda, deve-se atender ao interesse contratual negativo da parte contratante, visando-se a colocar a parte compradora frustrada na mesma situação em que estaria se o contrato não tivesse sido realizado. Nesse sentido, mesmo sendo possível cumular o pedido de perdas e danos, que abarcariam tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, estes últimos não poderiam ser considerados presumidos e muito menos decorrentes de aluguéis da própria coisa nas hipóteses em que há pedido de resolução.
Ademais, a devolução integral de todos os valores despendidos, devidamente corrigidos, com juros de mora de 1% (um por cento) a contar da citação, com a imputação da devolução da corretagem à construtora, nas mesmas condições (correção e juros), se acrescida de lucros cessantes torna desproporcional os termos da resolução do contrato, criando desequilíbrio na solução do inadimplemento absoluto, no mais das vezes, servindo de incentivo à rescisão e, consequentemente à multiplicação dos conflitos, visto que o desfazimento do negócio passa a ser mais vantajoso economicamente para o comprador do que a manutenção do contrato, dado que o resultado tenderá a ser correspondente a uma diferenciada aplicação financeira.
Assim, a partir do momento em que o adquirente opta pela rescisão do contrato, em razão do atraso na entrega da obra, com restituição integral dos valores despendidos com o imóvel e retorno das partes ao status quo ante, tem-se que os prejuízos materiais decorrentes passam a ser sanados pela devolução de toda a quantia com os encargos legais, o que torna indevida a indenização por alugueis desse mesmo imóvel, afastando-se a presunção de prejuízo.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.
DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A negligência ou omissão dos genitores ante o grave abuso sexual configura hipótese excepcional de destituição do poder familiar.
De início, rememora-se que "a proteção integral está intimamente ligada ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, pelo qual, no caso concreto, devem os aplicadores do direito buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para o menor. Trata-se de princípio constitucional estabelecido pelo art. 227 da CF, com previsão nos arts. 4° e 100, parágrafo único, II, da Lei n. 8.069/1990, no qual se determina a hermenêutica que deve guiar a interpretação do exegeta. O norte nessa seara deve buscar a máxima efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, especificamente criando condições que possibilitem, de maneira concreta, a obtenção dos alimentos para a sobrevivência" (REsp 1.533.206/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2015, DJe de 1º/2/2016).
No caso, sobejam provas acerca de abuso sexual cometido contra o menor, enquanto ambos os pais, de forma insólita, recusam a evidência científica colhida em exame médico-hospitalar. Somado a esse fato, o comportamento da criança revela preocupante temor em relação ao genitor, conforme atestam os serviços de atendimento especializados.
Com base no microssistema do ECA, à luz do Princípio da Integral Proteção à Criança e ao Adolescente, concluiu o Tribunal de origem que a ação e a omissão dos genitores em face do abuso sofrido pelo menor e a negação deliberada dos graves fatos demonstram, claramente, a total incapacidade de exercício do poder parental, além da submissão do infante ao constante risco de violação da sua integridade física e psicológica. Consignou, ainda, a ausência de ente da família extensa em condições de cuidar da criança.
Com efeito, o entendimento do tribunal a quo está em consonância ao desta Corte, tendo em vista que "em demandas envolvendo interesse de criança, como no caso, a solução da controvérsia deve sempre observar o princípio do melhor interesse do menor, introduzido em nosso sistema jurídico como corolário da doutrina da proteção integral, consagrada pelo art. 227 da Constituição Federal, o qual deve orientar a atuação tanto do legislador quanto do aplicador da norma jurídica, vinculando-se o ordenamento infraconstitucional aos seus contornos" (HC 776.461/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 29/11/2022, DJe de 1º/12/2022).
AgInt no AREsp 1.488.546-PE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/2/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO BANCÁRIO
Obrigação de fazer. Impossibilidade de entrega das ações ao acionista. Conversão em indenização por perdas e danos. Cumprimento de sentença. Apuração do valor das ações cotadas em Bolsa de valores. Eventos societários ocorridos entre a data de emissão das ações e a do trânsito em julgado. Necessidade de inclusão no cálculo.
Nas ações que houver a conversão em indenização por perdas e danos pela impossibilidade de entrega das ações ao acionista, embora a fase de liquidação não seja necessariamente obrigatória, é preciso considerar, no cálculo da indenização, os eventos societários de grupamentos e desdobramentos de ações ocorridos entre a data em que as ações foram emitidas e a data do trânsito em julgado da sentença.
Analisando a forma como se deve dar a liquidação do julgado, nas causas que envolvem a conversão de ações em indenização por perdas e danos pela impossibilidade de entrega das ações ao acionista, a Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.387.249/RS, em sede de recurso repetitivo, se manifestou no sentido de que, embora a fase liquidação não seja necessariamente obrigatória, é preciso considerar, no cálculo da indenização, os eventos societários ocorridos entre a data em que foram emitidas as ações e a data do trânsito em julgado da sentença.
No referido precedente, o relator afirma que o número de ações obtido deve ser multiplicado por um fator de conversão (Fc), para que se encontre o equivalente de ações na companhia sucessora, hoje existente. Esse fator de conversão deve englobar os agrupamentos acionários eventualmente ocorridos. Por exemplo, se cada grupo de 1.000 ações da companhia X foi agrupado em uma ação da companhia Y, a variável (Fc) deve englobar essa operação acionária. O passo seguinte é multiplicar o número de ações da companhia atual pela cotação das ações no fechamento do pregão da bolsa de valores do dia do trânsito em julgado da ação de conhecimento, conforme definido no REsp 1.025.298/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe 11/2/2011.
Seguindo essa mesma linha de entendimento, a Terceira e a Quarta Turmas desta Corte acabaram firmando sua jurisprudência no sentido de que devem ser considerados, para o cálculo do valor devido, todos os eventos societários que importem grupamento e/ou desdobramento de ações, entre a data em que elas foram emitidas e a data do trânsito em julgado da demanda, não havendo que se falar que a observância dessas operações acarretaria ofensa à coisa julgada.
Deste modo, é indispensável a avaliação dos eventos societários de grupamentos e desdobramentos de ações ocorridos desde a data em que foram emitidas as ações até a data do trânsito em julgado da ação de obrigação de fazer ajuizada contra o banco, sob pena de configurar-se o enriquecimento sem causa.
AgRg no HC 834.558-GO, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Rel. para acórdão Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, por maioria, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023.
DIREITO PENAL
Habeas corpus. Furto simples. Princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Conduta praticada sem violência ou grave ameaça. Res furtiva atrelada a objetos de higiene pessoal de baixo valor econômico. Restituição imediata à vítima. Irrelevância de eventual reiteração delitiva em razão da atipicidade do fato.
É atípica a tentativa de subtração, sem a prática de violência ou grave ameaça à pessoa, de 08 (oito) shampoos, em valor global aproximado inferior a R$ 100,00 (cem reais), ainda que, eventualmente, haja reiteração de condutas dessa natureza.
A hipótese em apreço refere-se a uma tentativa de subtração, sem a prática de violência ou grave ameaça à pessoa, de 08 (oito) shampoos, em valor global aproximado inferior a R$ 100,00 (cem reais).
Nesses casos, a jurisprudência do STF tem amadurecido no sentido de compreender que "somente aspectos de ordem objetiva do fato devem ser analisados", pois, "levando em conta que o princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade, equivocado é afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o paciente possuir antecedentes criminais". Mostra-se, então, "mais coerente a linha de entendimento segundo a qual, para incidência do princípio da bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa e não os atributos inerentes ao agente, sob pena de, ao proceder-se à análise subjetiva, dar-se prioridade ao contestado e ultrapassado direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato" (RHC 210.198/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 14/01/2022).
Em homenagem ao direito penal do fato, ao se afirmar que determinada conduta é atípica, ainda que ela ocorra reiteradas vezes, em todas essas vezes estará ausente a proteção jurídica de envergadura penal. Ou seja, a reiteração é incapaz de transformar um fato atípico em uma conduta com relevância penal. Repetir várias vezes algo atípico não torna esse fato um crime. Rememora-se, ainda, que o direito penal é subsidiário e fragmentário, só devendo atuar para proteger os bens jurídicos mais caros a uma sociedade.
No caso, a subtração não integra a concepção de lesividade relevante ao ponto de justificar a intervenção do direito penal no caso concreto. A eventual reiteração de condutas dessa natureza não altera essa conclusão.
Ademais, a agente é tecnicamente primária.
Para a aplicação do princípio da insignificância, esta Corte Superior entende necessária, ainda, a presença cumulativa das seguintes condições objetivas: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (AgRg no HC 845.965/SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. em 27/11/2023).
Todos esses requisitos estão presentes na espécie.
A conduta possui mínima ofensividade, pois não houve violência ou grave ameaça na tentativa de crime patrimonial.
Não há periculosidade social na ação, pois o fato vincula-se a uma única agente que tentou subtrair objetos, de valor comercial irrisório, de um único estabelecimento comercial.
A reprovabilidade do comportamento é bastante reduzida, pois a agente tentou subtrair objetos de higiene pessoal, o que retira a tutela jurídica apta a permitir o curso da ação penal, posto que presente uma incensurável homenagem ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988).
Não há sequer o que se falar em lesão jurídica da conduta, pois o furto não se consumou, isto é, não houve qualquer prejuízo à esfera patrimonial da pessoa jurídica vítima.
Logo, é atípica a tentativa de subtração, sem a prática de violência ou grave ameaça à pessoa, de 08 (oito) shampoos, em valor global aproximado inferior a R$ 100,00 (cem reais), ainda que, eventualmente, haja reiteração de condutas dessa natureza.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
É cabível a intervenção do querelante no habeas corpus impetrado pelo querelado com o objetivo de trancar a ação penal privada ou privada subsidiária da pública.
O habeas corpus é espécie de ação constitucional que não admite intervenção de terceiros. No entanto, tal entendimento é flexibilizado nos casos em que a ação de fundo se consubstancia em ação penal privada ou privada subsidiária da pública, ou seja, nos casos em que tenha sido intentada por um dos postulantes elencados no artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal.
Assim, se o querelado pretende manejar uma ação constitucional com o objetivo de fulminar a queixa (inclusive subsidiária), deve-se assegurar ao querelante o direito de resguardar o seu interesse - o qual se concretiza na entrega jurisdicional final - em todos os graus de jurisdição.
Nesses termos, ainda que o querelante não seja efetivamente parte no writ que via recurso ordinário, bate às portas desta Corte, parte ele é na relação processual principal e, por isso mesmo, deve ser admitido como terceiro interessado em demanda que visa ao trancamento do processo, cuja marcha processual somente teve início devido a sua iniciativa.
O que define a existência do interesse de agir de terceiro em ação de habeas corpus não é apenas a natureza da ação de fundo, mas especialmente a legitimidade ad causam do querelante para dar início ao processo penal, com base nos artigos 29 e 30 do CPP.
Ademais, ainda que a questão concernente à possibilidade de intervenção do querelante em ação de habeas corpus não esteja abarcada pela tese firmada em repercussão geral pelo STF no julgamento do Tema 811, ela foi objeto de análise preliminar pelo Tribunal Pleno da Excelsa Corte, a viabilizar o julgamento do mérito do recurso interposto pelo querelante naqueles autos.
AREsp 2.419.790-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 15/2/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL, EXECUÇÃO PENAL
Compete ao Juízo da Execução Penal a escolha da instituição beneficiária dos valores da prestação pecuniária ajustada no acordo de não persecução penal.
O art. 28-A, IV, do CPP estabelece que, em casos nos quais o investigado confesse formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a 4 anos e não havendo arquivamento do caso, o Ministério Público pode propor acordo de não persecução penal. Tal acordo pode incluir o pagamento de prestação pecuniária, cujo destino será determinado pelo juízo da execução penal, preferencialmente a uma entidade pública ou de interesse social que proteja bens jurídicos semelhantes aos lesados pelo delito.
A literalidade da norma de regência indica que, embora caiba ao Ministério Público a propositura do ANPP, a partir da ponderação da discricionariedade do Parquet como titular da ação penal, compete ao Juízo da Execução a escolha da instituição beneficiária dos valores.
Ademais, frise-se que recentemente o Supremo Tribunal Federal abordou o assunto na ADI 6.305/DF, cujo registro de decisão foi divulgado em 31/8/2023. Nesse julgamento a Corte Suprema declarou a constitucionalidade do art. 28-A, seus subitens III, IV, e os parágrafos 5º, 7º e 8º, todos do CPP, os quais foram adicionados pela Lei n. 13.964/2019. Portanto, não há mais dúvidas quanto à necessidade de cumprimento dessas disposições legais.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 5/12/2023, DJe 15/12/2023.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Embora não configure o crime de abuso de autoridade, mesmo que realizada a diligência depois das 5h e antes das 21h, continua sendo ilegal e sujeito à sanção de nulidade cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar se for noite.
A controvérsia gira em torno de saber se, depois do advento do art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade), passou a ser válido o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar no período compreendido entre 5h e 21h.
De acordo com o disposto no art. 5º, XI, da Constituição, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
O art. 245, caput, do CPP, no mesmo sentido, estabelece que "As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta".
A interpretação desses dispositivos sempre gerou intensa celeuma no que concerne à definição dos conceitos de "dia" e de "noite" para fins de cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar (critérios cronológico, físico-astronômico e misto).
O advento do art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019 deu origem a uma nova corrente, no sentido de que, ao tipificar como crime de abuso de autoridade o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar entre 21h e 5h, o legislador haveria implicitamente regulamentado o art. 5º, XI, da Constituição e o art. 245 do CPP, para definir como "dia" o período entre 5h e 21h.
Todavia, o art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019 não definiu os conceitos de "dia" e de "noite" para fins de cumprimento do mandado de busca e apreensão domiciliar. O que ocorreu foi apenas a criminalização de uma conduta que representa violação tão significativa da proteção constitucional do domicílio a ponto de justificar a incidência excepcional do direito penal contra aqueles que a praticarem. É dizer, o fato de que o cumprimento de mandado de busca domiciliar entre 21h e 5h foi criminalizado não significa que a realização da diligência em qualquer outro horário seja plenamente lícita e válida para todos os fins.
Assim, mesmo que realizada a diligência depois das 5h e antes das 21h, continua sendo ilegal e sujeito à sanção de nulidade cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar se for noite, embora não configure o crime de abuso de autoridade previsto no art. 22, III, da Lei n. 13.869/2019.
Vale mencionar, ainda, a reforçar essa interpretação, recente e importante decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Valencia Campos y otros v. Bolívia, julgado em 18 de outubro de 2022, em que o tema da temeridade do ingresso domiciliar em período noturno foi abordado com especial destaque.
Em voto concorrente para a condenação do Estado boliviano por violação da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Juiz Rodrigo Mudrovitsch e a Juíza Nancy Hernández López pontuaram que, "as invasões policiais noturnas se afiguram incompatíveis com a Convenção e com os standards desta Corte, sendo admissíveis tão somente em situações absolutamente excepcionais e, acima de tudo, previstas de forma clara e taxativa na Constituição ou na Lei, e requerendo motivação reforçada que justifique as razões pelas quais não se pode realizar a diligência no horário diurno. Em outras palavras, não podem ser encaradas pelos Estados como procedimentos corriqueiros da atividade de persecução penal, à livre disposição dos operadores da justiça, e sim como instrumentos que configuram uma das mais graves intervenções na esfera de direitos dos indivíduos. Por essa razão, as invasões noturnas só são justificáveis mediante a mais rigorosa observância cumulativa dos ditames da legalidade e da proporcionalidade em todas as suas dimensões".
AgRg no HC 821.494-MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024, DJe 8/2/2024.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 598.051/SP, consignou que o consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
Assim, a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
No caso, a violação de domicílio foi efetivada após o recebimento de denúncia anônima informando a prática do delito de tráfico no local, inexistindo prévias investigações que confirmassem os fatos noticiados na comunicação apócrifa e que subsidiassem a convicção dos agentes de que o agravado ocultava droga ou algum dos objetos mencionados no art. 240 do CPP.
Consoante a jurisprudência do STJ "em recente decisão, a Colenda Sexta Turma deste Tribunal proclamou, nos autos do HC 598.051, da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sessão de 02/03/2021 (....) que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito" (AgRg no REsp 2.048.637/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 6/3/2023).
AgRg no CC 199.369-PA, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/2/2024.
EXECUÇÃO PENAL
Não cabe à Justiça Federal discutir os motivos declinados pelo Juízo que solicita a transferência ou a permanência de preso em estabelecimento prisional de segurança máxima, pois este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida.
O § 5º, do art. 10, da Lei n. 11.671/2008 dispõe que, rejeitada a renovação da permanência de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, "o juízo de origem poderá suscitar o conflito de competência, que o tribunal apreciará em caráter prioritário".
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não cabe à Justiça Federal discutir os motivos declinados pelo Juízo que solicita a transferência ou a permanência de preso em estabelecimento prisional de segurança máxima, pois este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida.
Com efeito, "ao Juízo Federal não compete realizar juízo de valor sobre as razões de fato emanadas pelo Juízo solicitante, sendo-lhe atribuído pelo art. 4º da Lei n. 11.671/2008, tão somente, o exame da regularidade formal da solicitação" (STJ, CC 168.595/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 11/3/2020, DJe 23/3/2020).
Ainda, a orientação do STJ é no sentido de que "a demonstração da permanência dos fundamentos que levaram à inclusão do detento no Sistema Prisional Federal é suficiente para justificar o deferimento do pedido de prorrogação, não sendo exigida a indicação de fatos novos". (AgRg no CC 180.682/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 25/8/2021, DJe 1º/9/2021).
ProAfR no REsp 1.894.973-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023. (Tema 1230).
ProAfR no REsp 2.071.335-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023 (Tema 1230).
ProAfR no REsp 2.071.382-SE, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023 (Tema 1230).
ProAfR no REsp 2.071.259-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023 (Tema 1230).
DIREITO CIVIL
A Corte Especial acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 1.894.973/PR, 2.071.335/GO, 2.071.382/SE e 2.071,259/SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "alcance da exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC, em relação à regra da impenhorabilidade da verba de natureza salarial tratada no inciso IV do mesmo dispositivo, para efeito de pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a cinquenta (50) salários mínimos".
ProAfR nos EREsp 1.959.571-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023. (Tema 1231).
ProAfR no REsp 2.075.758-ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023 (Tema 1231).
ProAfR no REsp 2.072.621-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 20/12/2023 (Tema 1231).
DIREITO TRIBUTÁRIO
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do EREsp 1.959.571/RS e dos REsps n. 2.075.758/ES e 2.072.621/SC ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "decidir sobre a possibilidade de creditamento, no âmbito do regime não-cumulativo das contribuições ao PIS e COFINS, dos valores que o contribuinte, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS-substituição (ICMS-ST)".
ProAfR no REsp 2.053.306-MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 5/2/2024. (Tema 1232).
ProAfR no REsp 2.053.311-MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 5/2/2024 (Tema 1232).
RProAfR no REsp 2.053.352-MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 5/2/2024 (Tema 1232).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação dos REsps n. 2.053.306/MG, 2.053.311/MG e 2.053.352/MG ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: "possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais".