O Informativo de Jurisprudência divulga, periodicamente, teses firmadas pelo STJ que são selecionadas pela novidade no âmbito do Tribunal e pela repercussão no meio jurídico.
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HC 846.476-RJ, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2024, DJe 25/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL, EXECUÇÃO PENAL
Não cabe ao Juízo da Execução Penal estabelecer condições não previstas no acordo de colaboração premiada.
A pena decorrente do acordo de colaboração premiado não constitui reprimenda no sentido estrito da palavra, pois não decorre de sentença de natureza condenatória decretada pelo Poder Judiciário, mas sim de pacto firmado entre o Ministério Público e o agente dentro das hipóteses previstas no nosso ordenamento jurídico.
Eventual descumprimento dos termos do acordo pelo colaborador implica na sua revogação e no oferecimento de denúncia pelo Parquet em seu desfavor, com o regular andamento da ação penal até a prolação de sentença.
Sobre o tema, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg na Pet 12.673/DF, relator Ministro Raul Araújo, já assentou que "a privação de liberdade oriunda do acordo de colaboração premiada não equivale à prisão-pena" e, desta forma, por não possuir a natureza jurídica de sanção penal, na sua execução não se deve obedecer as regras previstas na Lei de Execução Penal para o cumprimento de reprimenda decorrente de uma sentença condenatória.
Assim, o cumprimento do que foi pactuado entre o Ministério Público e o acusado obedece aos termos que restaram assentados no acordo de colaboração premiada e não as regras da Lei de Execução Penal, pois deve "ser respeitado o limite máximo e global da sanção ajustada no ato cooperativo" (STF, RE 1.366.665 AgR, Relator Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe de 22/8/2024).
Desta forma, na execução do acordo de colaboração premiada devem ser observados os termos nele fixados, por não se tratar de execução penal típica.
REsp 2.142.350-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 1º/10/2024, DJe 4/10/2024.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições.
O dever de colaboração está expresso no art. 6º do Código de Processo Civil - CPC, o qual dispõe que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".
Além disso, está implicitamente em outros dispositivos processuais, entre os quais se destaca o art. 319, § 1º, do CPC, o qual prevê que, na petição inicial, poderá o autor, caso não disponha, requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção de informações acerca de nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência do réu.
O dever de colaboração processual redesenha, em certa medida, o papel do juiz, o qual, mantendo-se imparcial em relação às partes e ao desfecho do processo, deve com elas colaborar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
De fato, não pode o Juízo - de modo algum - substituir as partes, as quais devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atribuições.
Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições.
Acrescente-se que a decisão do juiz deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais.
AREsp 2.123.334-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 20/6/2024, DJe 2/7/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
Admitida a confissão - seja ela judicial ou extrajudicial -, isso não significa necessariamente que o réu deverá ser condenado, pois ainda é necessário que o juiz valore todas as provas para verificar se a hipótese acusatória está comprovada em um nível que atenda aos standards do processo penal.
Assim, passa-se ao exame da força probatória da confissão, considerando novamente os mais atuais estudos sobre o tema, com vistas a aferir se condenações como a que foi proferida nestes autos se justificam racionalmente.
O reconhecimento das falsas confissões é uma certeza científica internacional e recebe atenção bastante detalhada da jurisprudência comparada, no afã de prevenir a condenação de pessoas inocentes.
O fato de o tema não ter destaque nos Tribunais brasileiros até hoje não é justificativa para que a interpretação do direito pátrio permaneça alheia à sua ocorrência. É possível, e mesmo desejável, que consideremos a experiência de outros países em seu tratamento e, naquilo que for cabível de acordo com a legislação nacional, sigamos as lições históricas que nos podem oferecer, a fim de evitar o cometimento dos mesmos erros.
É incorreto atribuir força probatória suprema à confissão, prova que está no centro de uma quantidade não desprezível de condenações injustas. Torna-se necessário, por isso, detalhar regras de valoração racional para esclarecer o real peso da confissão e mitigar o risco de condenações de inocentes que, por qualquer razão, tenham confessado falsamente a autoria de delitos.
A eficácia probatória da confissão extrajudicial limita-se, então, ao trabalho das autoridades policiais e acusadoras. Embora não seja essa a técnica investigativa mais desejável, a confissão pode indicar à autoridade policial possíveis fontes de prova nos crimes de apuração mais difícil, servindo, assim, como meio de obtenção de prova, a exemplo do que acontece com a colaboração premiada, nos termos do art. 3º-A da Lei 12.850/2013.
Uma vez narrada pelo investigado a forma em que supostamente cometido o delito, a autoridade policial poderá descobrir onde e como encontrar indícios ou mesmo possíveis elementos de prova que confirmem a confissão, na linha do que já se pratica no âmbito das colaborações. Consequentemente, no campo da valoração probatória, a confissão extrajudicial não tem nenhum lugar numa sentença condenatória, para a qual interessa a confissão colhida em juízo no momento do interrogatório do réu.
Em outras etapas da persecução penal, a confissão extrajudicial pode ter sua utilidade; é o caso, por exemplo, da decisão que defere medidas probatórias (v.g., a quebra de sigilo bancário ou a busca e apreensão), que pode em tese indicar a confissão extrajudicial como um de seus fundamentos, até como forma de permitir a descoberta de provas que a corroborem. Afinal, se o réu confessa o crime em delegacia, e o acesso a determinadas fontes de prova está protegido pela reserva de jurisdição, sua confissão deve ser valorada racionalmente pelo juiz na análise do requerimento probatório.
Para a sentença, diversamente, o próprio art. 155 do CPP proíbe que a confissão extrajudicial justifique a condenação.
Nesse contexto, a confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória.
A Seção de Informativo de Jurisprudência - SIJUR informa que, após a publicação da edição n. 819, retificou a nota referente ao REsp 2.131.651-PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/5/2024, DJe 24/5/2024.
Para conferir, clique aqui.
REsp 1.954.842-RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/5/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
O terceiro delatado tem o direito de impugnar a validade do acordo de colaboração premiada, o que pressupõe o direito de acessar as gravações das tratativas e da audiência de homologação do acordo pelo juiz, a fim de verificar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade do colaborador ao assinar o instrumento de colaboração.
De acordo com o art. 3º-A da Lei n. 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada tem natureza jurídica híbrida e consubstancia, a um só tempo, negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova.
Uma vez que o acordo de colaboração premiada também é meio de obtenção de prova e, por isso, serve de instrumento para a coleta de elementos incriminatórios contra terceiros e atinge a esfera jurídica deles, é natural que esses terceiros tenham interesse e legitimidade para impugnar não apenas o conteúdo de tais provas, mas também a legalidade da medida que fez com que elas aportassem aos autos.
Não é apenas o conteúdo das provas fornecidas pelo delator que interfere na esfera jurídica do acusado, porquanto é só por meio do acordo de colaboração que as provas são obtidas. Assim, essas provas só podem ser valoradas se o acordo que levou até elas também for válido. Comparativamente, por exemplo, em uma busca e apreensão (outro meio de obtenção de prova), é indiscutível que os indivíduos prejudicados pela medida podem questionar tanto a sua validade - mesmo quando amparada em autorização judicial - quanto o conteúdo das provas colhidas por meio dela.
Obstar essa possibilidade de questionamento pelo terceiro delatado com base no postulado civilista da relatividade dos negócios jurídicos implicaria inadmissível cerceamento de defesa e, por consequência, abriria margem para a ocorrência de abusos, porque conferiria a legitimidade para impugnação dos acordos tão somente àqueles que mais têm interesse na sua preservação: Ministério Público e colaborador. Aliás, mesmo no direito privado, o princípio da relatividade dos negócios jurídicos vem sendo constantemente mitigado à luz da função social do contrato - em sua eficácia externa -, especialmente quando atinge direitos de terceiros, justamente para evitar que aquele que não participou voluntariamente do negócio alheio seja indevidamente prejudicado.
Isso significaria, hipoteticamente, que, se fossem oferecidos benefícios indevidos ao delator a fim de obter a incriminação de terceiro e a medida fosse chancelada pelo magistrado, nada poderia ser feito para questionar o acordo. Da mesma forma, se o colaborador fosse coagido a delatar alguém e, para não perder os benefícios, deixasse de impugnar a avença, ninguém mais poderia fazê-lo caso o Juiz não identificasse a coação ao homologar o acordo.
Ao determinar que deverá "o juiz ouvir sigilosamente o colaborador", o art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/2013 não estabelece uma regra perpétua quanto à restrição da publicidade do ato. Trata-se, apenas, de preservar aquele momento incipiente da investigação, em que o sigilo se faz necessário para assegurar a eficácia de diligências em andamento, as quais podem ser frustradas se o indivíduo delatado tiver acesso a elas.
Todavia, oferecida e recebida a denúncia, a regra volta a ser a que deve imperar em todo Estado Democrático de Direito, isto é, publicidade dos atos estatais e respeito à ampla defesa e ao contraditório, nos termos do art. 7º, § 3º, da Lei n. 12.850/2013: "O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese".
Esse dispositivo, embora se refira expressamente apenas ao acordo e aos depoimentos do colaborador, também deve ser aplicado às tratativas - obrigatoriamente gravadas por imposição do § 13 do art. 4º - e à audiência de homologação do acordo, em virtude da mesma lógica: recebida a denúncia, o sigilo excepcional perde a razão de existir e cede espaço à regra da necessária publicidade dos atos estatais, assim como do respeito ao contraditório e à ampla defesa, exceto quanto às diligências em andamento que possam ter sua execução prejudicada pela revelação das informações.
No caso, o Tribunal de origem determinou que o Juízo singular fornecesse à defesa do réu - indivíduo delatado - o acesso aos vídeos e às atas das audiências realizadas com os colaboradores, a fim de que ela pudesse analisar a legalidade, a regularidade e a voluntariedade das colaborações.
Não há ilegalidade a ser reconhecida no acórdão, uma vez que o réu delatado tem legitimidade para questionar a validade do acordo de colaboração do delator - o que pressupõe o acesso às tratativas e à audiência de homologação - e o sigilo não mais se justifica, porque a denúncia já foi recebida e nenhum risco concreto a diligências em andamento foi apontado.
De todo modo, nada impede que, constatando a pendência de alguma diligência sigilosa, o Juízo singular preserve, pontualmente, com fundamentação concreta, o sigilo dela, mas sem vedar indefinidamente, em abstrato e de antemão, o acesso da defesa à totalidade das tratativas do acordo e à audiência de homologação.
Lei n. 12.850/2013, art. 3º-A, art. 4º, § 7º e § 13, art. 7º, § 3º
RHC 179.805-PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 21/5/2024.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Ainda que o advogado seja investigado, é inadmissível o acordo de colaboração premiada firmado com violação do sigilo profissional.
Não obstante haver precedentes importantes em sentido contrário, não há razão para outra afirmação senão a de que os delatados tem, sim, a legitimidade de questionar o acordo de colaboração premiada com a alegação de não ter sido firmado com observância da imperiosa legalidade. A partir do momento que sua esfera jurídica foi afetada pelo teor da delação é evidente a sua legitimidade para questionar esse acordo que, de forma negativa, afeta direitos seus. É também possível, portanto, que constatada a ilegalidade do acordo, em casos excepcionais, a invalidação das provas decorrentes do mesmo.
E, afinal, é legal a colaboração de pessoa que está sob o pálio do sigilo profissional? A ideia aqui não é discutir o acordo sob o viés da traição mercantilizada pelo Estado com um criminoso. Há inúmeros motivos que levam o suposto membro de uma organização criminosa a denunciar os demais membros e suas atividades, legítimos ou não, neste caso, não importa, nem mesmo se foi usado o acordo como mecanismo de autodefesa.
A questão é saber se o contrato de advocacia não garante a confidencialidade das informações recebidas em razão da prestação de serviços. Afinal, o advogado tem a obrigação de guardar sigilo dos fatos que tem conhecimento por conta e durante o exercício da profissão. A legislação até prevê proteções para auxiliar o advogado na manutenção do sigilo profissional, como se vê do art. 207 do Código de Processo Penal e do art. 7º, XIX, do Estatuto da Advocacia.
No caso, o colaborador foi investigado, preso e denunciado, antes de fazer a escolha pelo acordo com o Parquet estadual. Mesmo assim, a obrigação de sigilo se impõe. Esse é ônus do advogado que não pode ser superado mesmo quando investigado sob pena de se colocar em fragilidade o amplo direito de defesa.
Quebrar o sigilo profissional para atenuar pena em ação penal em que figura, com o cliente, como investigado, não está autorizado pelo Código de Ética da Advocacia. O art. 25 é claro que o sigilo só pode ser rompido salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.
A confissão de um crime com a indicação das informações previstas no art. 4º da Lei n. 12.850/2013 não se inclui entre essas hipóteses. Ao delatar, o advogado que oferece informações obtidas exclusivamente em razão de sua atuação profissional não está defendendo sua vida ou de terceiro, sua honra (afinal confessa não só um crime como a sua participação em organização criminosa) nem está agindo em razão de afronta do próprio cliente (ao contrário) nem em defesa própria (não está usando as informações sigilosas para se defender, para provar sua inocência em razão de acusação sofrida, mas sim para atenuar sua pena).
Destaque-se que o sigilo profissional do advogado "é premissa fundamental para exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente" (STF, Rcl 37.235/RO, Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 27/5/2020). A partir do momento que entendermos possível que o sigilo entre advogado e cliente possa ser quebrado no momento em que o advogado passa a ser investigado, essa premissa deixa de existir e a defesa passa a correr risco em razão de uma ruptura, ou melhor dizendo, de um receio de ruptura na relação de confiança entre defensor técnico e cliente, fragilizando o seu direito à ampla defesa.
Desse modo, é inadmissível a prova proveniente de acordo de colaboração premiada firmado com violação do sigilo profissional, não havendo falar em justa causa para a utilização do instituto como mecanismo de autodefesa pelo advogado, mesmo que a condição profissional não alcance todos os investigados.
Por fim, registre-se que, em alteração legislativa posterior aos fatos em análise (Lei n. 14.365/2022), no §6º-I do art. 6º do Estatuto da Advocacia passou a constar proibição expressa da delação por parte do advogado contra seu cliente.
REsp 1.784.914-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/4/2024, DJe 30/4/2024.
DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
É vedada a pactuação da cláusula del credere nos contratos de agência ou distribuição por aproximação.
A controvérsia cinge-se em saber se no contrato de agência ou distribuição por aproximação seria admissível a pactuação da cláusula del credere, pacto pelo qual o colaborador assume a responsabilidade pela solvência da pessoa com quem contratar em nome do fornecedor, na forma dos arts. 688 e 721 do Código Civil.
O contrato em discussão foi qualificado no primeiro grau de jurisdição como contrato de agência e pelo Tribunal de origem como contrato de distribuição por aproximação. A consequência inicial desta categorização é a de que, a despeito da divergência terminológica, se cuida de um contrato socialmente típico, disciplinado pelo Código Civil e, naquilo que for compatível, com a legislação especial, a Lei n. 4.886/1965.
Tal conclusão é inescapável, na medida em que o novo Código Civil conferiu ao provecto contrato de representação comercial a nova denominação de contrato de agência, alinhando-se à terminologia majoritariamente adotada pela legislação estrangeira.
Acerca da disciplina legal, prevê o art. 721 do Código Civil: "Aplicam-se ao contrato de agência e distribuição, no que couber, as regras concernentes ao mandato e à comissão e as constantes de lei especial". Assim, a novel disciplina instituída pelo estatuto civil não afasta a incidência das normas especiais que não forem substancialmente incompatíveis com a última regulamentação.
Nesse sentido, o critério para a solução da antinomia no caso em questão decorre da aplicação do princípio da especialidade, de modo que a incompatibilidade normativa se soluciona pela aplicação da norma que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinados critérios que são especiais. Sendo assim, concorrerão, naquilo que forem compatíveis, as disposições do Código Civil e da Lei de Representação Comercial - Lei n. 4.886/1965.
Os doze artigos do Código Civil que tratam dos contratos de agência e distribuição por aproximação não se ocupam, em nenhuma passagem, da cláusula del credere - pacto a ser inserto no contrato e pelo qual o colaborador assume a responsabilidade pela solvência da pessoa com quem contratar em nome do fornecedor, tornando-se solidariamente responsável. Contudo, há disposição no art. 43 da Lei n. 4.886/1965 estabelecendo que "é vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere".
Dessa forma, constituindo a vedação à cláusula del credere nos contratos de agência ou distribuição por aproximação disposição veiculada por legislação especial compatível com a posterior disciplina introduzida por norma geral, infere-se que se mantém no ordenamento jurídico a proibição da disposição contratual que transforme o agente solidariamente responsável pela adimplência do contratante.
Ademais, descabe cogitar em aplicação analógica no art. 698 do Código Civil, que estabelece que, se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido. Com efeito, não há falar-se em omissão legislativa que tenha o condão de autorizar a aplicação da analogia pelo simples motivo de que existe norma especial que regula integralmente a questão.
Processo em segredo de justiça, julgado em 5/10/2022, DJe 28/11/2022.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
No acordo de colaboração premiada, não há inviabilidade na fixação de sanções penais atípicas, desde que não viole a Constituição Federal, o ordenamento jurídico, a moral e a ordem pública, ou a fixação de penas mais severas do que aquelas previstas abstratamente pelo legislador.
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de homologação de acordo que pactue sanções penais atípicas, notadamente, no caso, a fixação de regime diferenciado de cumprimento de pena.
O combate à moderna criminalidade organizada, em especial, o alto poder de intimidação por meio da lei do silêncio ("omertà" das organizações mafiosas) e a cultura da supressão de provas -, requer a adoção de meios excepcionais de investigação, diante da insuficiência dos métodos tradicionais.
Os desafios impostos por esta nova forma de criminalidade deram ensejo ao aprofundamento do modelo consensual de justiça na seara criminal, no qual se insere o acordo de colaboração premiada, cuja natureza de negócio jurídico processual bilateral e personalíssimo já foi reforçada pelo STF (HC 127.483, relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 3/2/2016).
Neste novo modelo, respeitadas as balizas legais, a autonomia da vontade das partes, permeada pelo princípio da boa-fé objetiva e pelo dever de lealdade, adquire especial relevo. Deve ser superada a tradicional visão de que, por tratar de interesses indisponíveis, o processo penal encontra-se imune à autonomia privada da vontade. Na seara penal, a própria Constituição da República de 1988, ao prever a criação dos juizados especiais criminais, com a expressa admissão da transação penal (art. 98, I), chancelou a viabilidade do modelo consensual de justiça.
Isso não significa que a adoção desse novo modelo de justiça negocial confere liberdade ampla às partes, notadamente em razão da presença do Estado em um dos polos da avença e do inegável interesse público subjacente ao processo penal. Cumpre observar que o princípio da legalidade é uma garantia constitucional que milita em favor do acusado perante o poder de punir do Estado, não podendo ser usado para prejudicá-lo, sob pena de inversão da lógica dos direitos fundamentais.
O direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV), assegurado a todos os investigados, desdobra-se no direito à informação, no direito de manifestação e no direito de ver seus argumentos considerados, mas não na prerrogativa de afetar negativamente a situação jurídica de terceiros, especialmente daqueles que atuam em conformidade com a lei, colaborando com a Justiça.
Do ponto de vista do colaborador (igualmente investigado), a colaboração premiada também deflui diretamente do princípio da ampla defesa, conferindo-lhe maior amplitude. O inegável cálculo utilitarista de custo-benefício que o agente criminoso realiza ao colaborar com a Justiça compõe parte de sua estratégia defensiva, enriquecendo as potencialidades de sua mais abrangente defesa.
A colaboração premiada - embora muito discutida sob o enfoque ético - é um relevante e necessário instrumento de direito processual penal. Existem mecanismos de controle destinados a evitar abusos, alguns deles já previstos na Lei n. 12.850/2013, tais como: I) a necessidade de homologação judicial (art. 4º, § 7º); II) a renúncia ao direito ao silêncio e o compromisso de dizer a verdade (art. 4º, § 14); III) a rescisão do acordo em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração (art. 4º, § 17), IV) a obrigação de cessar o envolvimento em conduta ilícita (art. 4º, § 18); e V) a previsão do tipo penal do art. 19.
Há, sem dúvida, um equilíbrio delicado a ser alcançado. O sistema deve ser atrativo ao agente, a ponto de estimulá-lo a abandonar as atividades criminosas e a colaborar com a persecução penal. Ao mesmo tempo, deve evitar o comprometimento do senso comum de justiça ao transmitir à sociedade a mensagem de que é possível ao criminoso escapar da punição, "comprando" sua liberdade com informações de duvidoso benefício ao resultado útil do processo penal.
A melhor solução não parece repousar na vedação, em abstrato, dos benefícios atípicos, mas sim no cuidadoso sopesamento da extensão dos benefícios pactuados diante da gravidade do fato criminoso e da eficácia da colaboração, conforme previsão do art. 4º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013.
Quanto à previsão de nulidade de cláusulas que alterem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena ou os requisitos de progressão de regime (art. 4º, § 7º, II, da Lei n. 12.850/2013), o próprio legislador autorizou a fixação de benefícios mais amplos ao estabelecer que o juiz poderá conceder perdão judicial ou substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (art. 4º, caput, da Lei n. 12.850/2013).
Se é possível extinguir a punibilidade dos crimes praticados pelo colaborador (perdão judicial) ou isentá-lo de prisão (substituição da pena), com mais razão seria possível aplicar-lhe pena privativa de liberdade com regime de cumprimento mais benéfico.
Assim, não há invalidade, em abstrato, na fixação de sanções penais atípicas, desde que não haja violação da Constituição da República ou do ordenamento jurídico, bem como da moral e da ordem pública. Da mesma forma, em respeito às garantias fundamentais individuais, a sanção premial não pode agravar a situação jurídica do colaborador, com a fixação de penas mais severas do que aquelas previstas abstratamente pelo legislador.
AgRg no RHC 150.343-GO, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 15/8/2023, DJe 30/8/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Ilicitude de gravação ambiental com a participação da polícia ou do Ministério Público sem prévia autorização judicial. Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sob a égide da Lei n. 9.034/1995 (redação dada pela Lei n. 10.217/2001). Participação do órgão acusador. Fornecimento de aparato de gravação. Ilicitude da prova. Superação de entendimento anterior.
A participação dos órgãos de persecução estatal na gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem prévia autorização judicial, acarreta a ilicitude da prova.
Cinge-se a controvérsia à validade da captação ambiental realizada por particular sem o conhecimento do interlocutor e com o auxílio do Ministério Público ou da polícia. O parâmetro normativo, no caso, deve ser a Lei n. 9.034/1995, tendo em vista que vigente à época da produção da prova em questão.
A gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, não protegida por um sigilo legal (QO no Inq. 2116, Supremo Tribunal Federal) é prova válida. Trata-se de hipótese pacífica na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, pois se considera que os interlocutores podem, em depoimento pessoal ou em testemunho, revelar o teor dos diálogos.
No entanto, a produção da prova obtida com colaboração de órgãos de persecução penal deve observar as fórmulas legais, tendo em conta a contenção da atuação estatal, cingindo-o, por princípio, às fórmulas do devido processo legal. Ao permitir a cooperação de órgão de persecução, a jurisprudência pode encorajar atuação abusiva, violadora de direitos e garantias do cidadão, até porque sempre vai pairar a dúvida se a iniciativa da gravação partiu da própria parte envolvida ou do órgão estatal.
A norma vigente à época, Lei n. 9.034/1995, com redação dada pela Lei n. 10.217/2011, exigia, expressamente, para captação ambiental, "circunstanciada autorização judicial" (art. 2º, IV).
A participação do Ministério Público na produção da prova, fornecendo equipamento, aproxima o agente particular de um agente colaborador ou de um agente infiltrado e, consequentemente, de suas restrições. Sem contar que, mesmo se procurado de forma espontânea pela parte interessada, é difícil crer que o Ministério Público não oriente o interlocutor no que concerne a conduzir a conversa quanto a quais informações seriam necessárias e relevantes, limitando-se apenas a fornecer o equipamento necessário para a gravação.
Desse modo, a participação da polícia ou do Ministério Público na produção da prova exerce a atração dos marcos legais, que, no caso, repita-se, exigiam "circunstanciada autorização judicial". Não obtida a chancela do Poder Judiciário, opera a regra de exclusão, pois a prova em questão é ilícita.
Por fim, esse reposicionamento ainda antevê debate sobre o teor do § 4º do art. 8º-A da Lei n. 9.296/1996, inserido pela Lei n. 13.964/2019, que reabre discussão acerca da amplitude da validade da captação ambiental feita por um dos interlocutores. Tal dispositivo não se aplica ao caso, mas busca restringir esse meio de prova, considerando que essa prova só será válida sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/12/2023.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
O advogado de núcleo de prática jurídica, quando designado para patrocinar causa de juridicamente necessitado ou de réu revel, ante a impossibilidade de a prestação do serviço ser realizada pela Defensoria Pública, possui direito aos honorários remuneratórios fixados pelo juiz e pagos pelo Estado.
A controvérsia jurídica cinge-se a estabelecer se cabe ao advogado do núcleo de prática jurídica o direito à remuneração pelo trabalho desempenhado como defensor dativo, com pagamento a ser realizado pelo Estado.
Os núcleos de prática jurídica desempenham papel social significativo na busca pela universalização do acesso à Justiça, auxiliando na prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, trabalho essencial diante da elevada demanda enfrentada pelas Defensorias Públicas em todo o país no atendimento à população mais carente.
A defensoria dativa possui um papel de relevância na promoção da justiça e na garantia dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do tratamento isonômico das partes. Nesse aspecto, quando o múnus público é desempenhado por advogado, que aceitou designação do Magistrado para defesa de réu hipossuficiente ou citado por edital, cabe ao Estado o pagamento dos honorários, de acordo com o que dispõe o art. 22, § 1º, da Lei n. 8.906/1994.
Isso decorre do dever constitucional do Estado de fornecer assistência judiciária aos réus necessitados e organizar as entidades necessárias e suficientes para cumprir essa missão, conforme estabelecido no art. 134 da Constituição Federal. Portanto, o Estado não pode se locupletar do trabalho desempenhado por advogado, que somente atendeu ao chamado da Justiça em colaboração com o Poder Público.
É entendimento pacífico desta Corte Superior de que "são devidos pelo Estado os honorários advocatícios do curador especial nomeado em razão da ausência de Defensoria Pública para a defesa dos interesses do réu revel citado por edital" (AgRg no AREsp n. 658.146/PR, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe de 23/5/2017).
Ademais, o fato de o advogado ser remunerado pela instituição educacional de nível superior, na qualidade de orientador do núcleo de prática jurídica, não impede que ele receba honorários advocatícios na condição de defensor dativo. Isso ocorre porque são funções distintas e não se confundem. Enquanto a supervisão dos estudantes de direito é atividade interna corporis, o trabalho de advogado dativo refere-se ao exercício de um múnus público por determinação judicial.
Além disso, não é razoável considerar que a responsabilidade pela remuneração do advogado pelo múnus público prestado recaia sobre uma terceira parte - a instituição particular de ensino superior -, com base numa relação de trabalho na qual o Estado não teve nenhum envolvimento.
Os honorários advocatícios devem ser reconhecidos como a devida remuneração do trabalho desenvolvido pelo advogado e, como tal, são protegidos pelo princípio fundamental do valor social do trabalho, previsto no art. 1º, IV, da Constituição Federal.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por maioria, julgado em 23/11/2023.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Enquanto sanção premial atípica, a imediata privação da liberdade, nos termos do acordo de colaboração premiada, condicionada à homologação judicial, não ofende a Constituição ou a lei de regência.
A controvérsia consiste em analisar a possibilidade de se obstar o cumprimento da pena privativa de liberdade até que haja sentença penal condenatória transitada em julgado em desfavor do apenado.
A colaboração premiada, meio de obtenção de provas, possui a natureza jurídica de negócio jurídico e, como tal, garante às partes razoável margem de definição do conteúdo da avença, abrangendo os deveres assumidos e as vantagens alcançáveis, mas não sem limites.
Conforme entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (Pet 13.974/DF), é legítima a fixação de sanções premiais atípicas no bojo do acordo de colaboração premiada, não estando as partes limitadas aos benefícios do art. 4º, caput, da Lei n. 12.850/2013, desde que não haja "violação à Constituição (pena de caráter perpétuo - art. 5º, XLVII, 'b') ou ao ordenamento jurídico (obrigação de levantamento de sigilo de dados de terceiros), bem como à moral e à ordem pública (penas vexatórias)".
Dentre tais sanções premiais atípicas admitidas pelo ordenamento jurídico figura o pronto cumprimento, após a necessária homologação judicial do acordo, da privação da liberdade nos benéficos termos pactuados, em regime diferenciado, domiciliar, independentemente do quantitativo da pena previsto no tipo e com progressão de regime em termos mais vantajosos do que aqueles previstos na Lei n. 7.210/1984.
A privação de liberdade pactuada, oriunda do acordo de colaboração premiada, sequer equivale à prisão-pena, visto que oriunda da livre negociação das partes, ausente a formação judicial da culpa, sendo efeito do eventual descumprimento ou da recusa dos termos do regime não o retorno coercitivo à prisão, mas sim apenas a rescisão do acordo, com o oferecimento da denúncia e a perda dos benefícios outrora assegurados.
No caso, o colaborador não foi denunciado, havendo o parágrafo único da cláusula 6ª previsto que, em relação aos fatos objeto do acordo e desde que cumprida a avença, tal providência processual não será adotada. Em consequência - nos diversos casos em que a colaboração premiada envolve o não oferecimento da denúncia -, a tese proposta pela divergência levaria a situações insustentáveis, nas quais o benefício auferido pelo colaborador não encontraria correspondência em qualquer medida restritiva, seja a multa, sejam as restrições de direitos (v.g., prestação de serviços à comunidade) ou a limitação da liberdade em regime diferenciado, tendo em vista que nunca sobrevirá sentença condenatória.
E, mesmo nos casos em que existir denúncia, não se pode argumentar que apenas a execução imediata da restrição à liberdade estaria alijada dos acordos de colaboração premiada, permitindo-se - independentemente de sentença penal condenatória transitada em julgado - a aplicação de outras medidas menos gravosas, em especial as restritivas de direitos ou a multa. Na realidade, apenas o reconhecimento de que não se está a tratar de pena - mas sim de condição do acordo, sujeita ao controle do magistrado responsável pela homologação - é capaz de garantir utilidade prática ao instituto da colaboração premiada.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal já homologou acordos de colaboração premiada nos quais prevista a execução das medidas restritivas antes da prolação de qualquer sentença (Pet 6.138 e Pet 6.049). Nesse sentido, ao contrário do pontuado no voto divergente, o fato de os acordos de colaboração mencionados precederem o julgamento das ADCs n. 43, 44 e 54 não é elemento decisivo, pois o entendimento então vigente no STF apontava ser possível, sem mácula ao princípio constitucional da presunção de inocência, o início da execução da pena somente após a prolação do acórdão condenatório em segundo grau (HC 126.292, Ministro Teori Zavascki, julgado em 17/2/2016).
Portanto, a execução imediata das condições fixadas no acordo de colaboração premiada ocorria, desde antes, como exceção à então exigível decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, a demonstrar que o diferencial repousava no caráter negocial da medida, a afastar o momento a partir de quando as medidas seriam, caso fossem pena, executáveis.
Por fim, caso o colaborador opte por não mais continuar recolhido nos estritos termos do regime diferenciado pactuado, estará o Ministério Público autorizado a considerar rescindido o acordo, com a adoção das medidas processuais daí decorrentes.
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