Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 9/11/2023, DJe 21/11/2023.
DIREITO PENAL
Crimes de injúria e difamação contra o Presidente da República e o Procurador-Geral da República por meio de compartilhamento de postagem em rede social. Hashtag. Cadeia de comunicação. Conteúdo potencialmente ofensivo. Ausência de justa causa. Mero compartilhamento de charge e de texto que acompanha. Contexto fático que não revela o propósito de ofender.
O mero compartilhamento de postagem consistente em charge elaborada por cartunista, sem agregar à conduta objetiva a intenção de ofender, injuriar ou vilipendiar a honra da suposta vítima não tem o condão de qualificar a prática de infração penal.
Inicialmente cumpre salientar que a denúncia imputa a prática dos delitos de injúria e difamação, mas o faz distinguindo duas circunstâncias fáticas passíveis de recorte: I) a charge e as hashtags que a acompanham; e II) o texto objeto de compartilhamento.
Assim, consta da inicial que a denunciada realizou uma postagem em sua rede social com ofensas à honra subjetiva do Procurador-Geral da República e do Presidente da República à época dos fatos, contendo expressões que se entendeu injuriosas, veiculadas por meio de hashtags expostas em uma charge na qual o Presidente da República segurava o Procurador-Geral da República por uma coleira.
Na mesma postagem, fez-se acompanhar de texto que se reputou difamatório, consistente na afirmação de ter sido o Procurador-Geral da República adquirido pelo Presidente da República, submetendo a sua autoridade e comando a serviço dos interesses deste e de seus familiares.
Nesse contexto, o elemento fático do crime de injúria relaciona-se às afirmações injuriosas veiculadas por meio de hashtags e a charge exposta, ao passo que a difamação relaciona-se com o texto que acompanha a postagem.
As hashtags acompanham publicações e são constituídas de uma palavra-chave precedida do símbolo cerquilha (#), permitindo que outros usuários das redes sociais acessem o conteúdo da palavra-chave ou encontrem todas as informações a ela relacionadas, sem que necessariamente estejam nos contatos daquele que a publicou ou sejam seus seguidores (followers). Permitem aglutinar ou direcionar acessos às palavras-chave, possibilitando aos usuários juntar-se a grupos de conversa ou discussão relacionados aos termos descritos pelas palavras-chave, inserindo-os na mesma cadeia de comunicação. Assim, o conteúdo pode revelar-se potencialmente apto a ofender a honra da vítima.
Contudo, os tipos de difamação e injúria exigem, além do dolo, direto ou eventual, o elemento subjetivo do injusto - propósito de ofender -, consubstanciado no animus diffamandi e animus injuriandi. Assim, não basta a consciência da prática de determinada conduta com a potência de ofender a honra alheia, é necessária a intenção de, com sua conduta, atingir efetivamente o bem jurídico protegido pela norma penal, conspurcando a reputação ou a honra da vítima.
Assim, malgrado os crimes contra a honra sejam tipos de forma livre, admitindo plurais formas de execução, deve ser suficientemente caracterizada a intenção do sujeito de ofender a honra e reputação alheias.
Portanto, o mero compartilhamento de postagem consistente na charge elaborada por cartunista sem se agregar à conduta objetiva a intenção de ofender, injuriar ou vilipendiar a honra da suposta vítima não tem o condão, no contexto fático dos autos, de revelar a prática das infrações penais imputadas à denunciada.
AgRg no HC 856.053-SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 8/11/2023, DJe 14/11/2023.
DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Para fins do indulto natalino previsto no Decreto Presidencial n. 11.302/2022, apenas no caso de crime impeditivo cometido em concurso com crime não impeditivo se exige o cumprimento integral da reprimenda dos delitos da primeira espécie.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o decreto de indulto deve ser interpretado restritivamente, sob pena de invasão do Poder Judiciário na competência exclusiva da Presidência da República, conforme art. 84, XII, da Constituição Federal.
Partindo-se do cânone de interpretação restritiva dos decretos concessivos de indulto, tem-se que apenas no caso de crime impeditivo cometido em concurso com crime não impeditivo que se exige o cumprimento integral da reprimenda dos delitos da primeira espécie. Em se tratando de crimes cometidos em contextos diversos, fora das hipóteses de concurso (material ou formal), não há de se exigir o cumprimento integral da pena pelos crimes impeditivos.
Assim, apenas em caso de concurso de crimes impeditivos e não impeditivos não seria possível aplicar o indulto, nos termos do art. 11, parágrafo único, do Decreto Presidencial n. 11.302/2022.
REsp 1.986.672-SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por maioria, julgado em 8/11/2023, DJe 21/11/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Em situações envolvendo dano moral presumido (in re ipsa), a definição de um valor mínimo para a reparação dos danos (i) não exige instrução probatória específica, (ii) requer um pedido expresso e (iii) a indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.
Cinge-se a controvérsia acerca da necessidade ou não de indicação objetiva do valor da indenização na peça acusatória e de instrução específica para fixação do valor mínimo para reparação dos danos morais, previsto no art. 387, inciso IV do CPP, quando se tratar de crime de estelionato, o qual resultou em inclusão do nome da vítima em serviço de proteção de crédito.
O sistema legal brasileiro voltado ao processo tem recentemente buscado aprimorar a garantia fundamental do contraditório, impondo requisitos mais rigorosos tanto aos tribunais quanto às partes envolvidas, visando a promover um debate profissional.
Nesse contexto, deve ser destacado que, no âmbito do CPC/2015, mesmo nos cenários em que se presume o dano moral, como no presente caso originado de um delito de estelionato no qual a vítima foi inserida em um registro de inadimplentes, a petição inicial é obrigada a apresentar o valor pretendido.
Com efeito, a natureza do dano moral presumido não elimina a necessidade de explicitação do montante pela parte acusadora no arrazoado inicial acusatório. Nessa perspectiva, o dano moral in re ipsa dispensa instrução específica, mas não exclui a necessidade de apresentação do montante pretendido na denúncia ou queixa-crime, assim como é exigido no contexto do processo civil atual.
No contexto de litígios envolvendo danos morais decorrentes de inclusão indevida em registros de inadimplentes, aquele que sofre o dano, ao ingressar com um pedido de reparação na esfera cível, precisa indicar na petição inicial o montante almejado pela parte autora da ação de responsabilidade civil. Isso é exigência do presente no texto do art. 292, V, do CPC/2015.
No REsp n. 1.837.386/SP, o STJ estabeleceu um precedente que reafirma a validade da orientação da Súmula 326/STJ no âmbito do CPC/2015. Embora o artigo 292, inciso V, do CPC/2015 determine que o valor da causa em tais ações deve coincidir com o valor pretendido para a reparação, o montante proposto pelo autor serve unicamente como um indicativo de referência. Seu propósito principal é permitir que o juiz considere mais um elemento ao deliberar sobre o valor da condenação, sem que essa quantia sugerida tenha caráter obrigatório.
A partir da ratio decidendi desse julgamento, infere-se que o STJ compreende a necessidade de incluir o valor da pretensão de indenização por dano moral na petição inicial. Contudo, é importante ressaltar que tal inclusão não implica automaticamente estrita obrigatoriedade de o juiz fixar o valor do dano com base no montante atribuído pela parte autora, mas sim em um indicativo que ele considera como parte das informações relevantes ao determinar o valor da condenação.
Vê-se que, dentro de uma perspectiva ampla da teoria do processo, as recentes modificações na legislação processual trouxeram, também, maior refinamento ao contraditório e à ampla defesa. Isso exige que a petição inicial especifique o valor pleiteado para a indenização, tanto no CPC/2015 quanto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A inclusão do valor pretendido na petição inicial é uma destas mudanças.
Embora não seja imperativa a prova do dano, visto ser um dano in re ipsa, é inteiramente admissível indicar o montante que a acusação busca para a reparação da vítima ou de seus familiares.
Essa medida visa a viabilizar um contraditório apropriado por parte da defesa, já que ao ser mencionada na petição inicial, possibilita que a defesa se manifeste, por exemplo, sobre a excessividade do pleito indenizatório.
Outrossim, a atuação do juiz de forma oficiosa é desencorajada, visto que violaria o princípio de congruência, presente no art. 492 do CPC, entre o que é pedido e o que é decidido, contrariando a abordagem processual de não inclusão do valor pretendido na inicial. Isso contraria, aliás, a própria natureza do sistema acusatório (agora expressamente declarada no art. 3º-A do CPP), por na prática exigir que o juiz defina ele próprio um valor, sem indicação das partes. Tal situação poderia levar a decisões definitivas sobre questões não abordadas no processo, privando o réu da oportunidade de se manifestar a respeito do valor da indenização.
Observe-se que a construção dessa interpretação está respaldada pelo art. 3º do CPP, o qual, claramente, estabelece a viabilidade da utilização suplementar do CPC. Tal dispositivo dispõe que a lei processual penal admite interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
Dessa forma, em situações envolvendo dano moral presumido, a definição de um valor mínimo para a reparação dos danos, embora não exija instrução probatória específica, requer pedido expresso e indicação do valor pretendido pela acusação na denúncia.
CC 200.708-PE, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 13/12/2023, DJe 18/12/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR
Sendo o crime investigado da competência do Juízo Militar para processo e julgamento, cabe a ele decidir sobre a suspensão do inquérito penal militar, cabendo à Justiça Federal tão somente o controle da legalidade da sindicância administrativa no âmbito disciplinar.
Cinge-se a controvérsia em definir o juízo competente para exercer o controle da etapa investigativa militar.
No caso, no decorrer da instrução do Inquérito Penal Militar, houve a interposição de ação cível de procedimento comum na Justiça Federal, tendo o Juízo Federal da 5ª Vara de Natal - SJ/RN determinado a suspensão do procedimento investigativo por entender que a Administração Militar não estaria autorizada, em âmbito de Sindicância e de Inquérito Penal Militar, a acessar o prontuário médico e demais documentos pessoais e sigilosos arquivados no Hospital da Aeronáutica, com base nas Leis n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Todavia, se o crime investigado é da competência do Juízo Militar para processo e julgamento, cabe a ele decidir sobre a suspensão do inquérito penal militar. Assim, a persecução penal não pode ser suspensa por determinação da Justiça Federal, a quem compete tão somente o controle da legalidade da sindicância administrativa, no âmbito disciplinar.
Ademais, no que diz respeito à persecução penal militar, segundo o MPF, "é incompetente a justiça federal definir ainda que de modo reflexo sobre a legalidade ou não do curso de inquérito penal militar, tendo em vista não deter competência para decidir sobre a suspensão de inquérito que não seja o inquérito federal instaurado naquela instância".
AgRg no HC 865.042-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 27/11/2023.
DIREITO PENAL
A extinção da punibilidade do crime antecedente não implica na atipicidade do delito de organização criminosa, visto que este é considerado um delito autônomo, independente de persecução criminal ou condenação relacionada às infrações penais a ele vinculadas.
Trata-se, na origem, de denúncia imputando ao denunciado a prática dos crimes de estelionato e organização criminosa.
O habeas corpus impetrado na origem declarou extinta a punibilidade dos crimes de estelionato em razão da decadência. No entanto, a Corte julgou hígida a denúncia quanto ao crime de organização criminosa.
A jurisprudência do Tribunal Superior de Justiça é firme no sentido de que "o reconhecimento da extinção da punibilidade pela superveniência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, relativamente ao crime funcional antecedente, não implica atipia ao delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/1998), que, como delito autônomo, independe de persecução criminal ou condenação pelo crime antecedente" (REsp 1.170.545/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/12/2014, DJe de 16/3/2015).
Ademais, cabe destacar a autonomia do delito previsto no art. 2º da Lei n. 12.850/2013 em relação aos demais delitos cometidos no âmbito do grupo criminoso. No entender do STJ, "a redação do art. 1º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013 evidencia, com clareza, que o tipo penal de organização criminosa não se confunde com as infrações penais para cuja prática constitui-se, formal ou informalmente, a organização criminosa. Depreende-se disso a autonomia do crime de organização criminosa em relação às infrações penais às quais se vincula" (AgRg no RHC 146.530/RS, Rel. Ministro Jesuíno Rissato Desembargador convocado do TJDFT, Quinta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe 6/10/2021).
Por fim, o ordenamento jurídico vigente admite a imputação tanto dos crimes de lavagem de dinheiro quanto do crime de participação em organização criminosa ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade do crime antecedente (art. 2º, § 2º, da Lei n. 9.613/1998). Na mesma linha, a extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão (art. 108 do Código Penal).
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 28/11/2023.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Estupro de vulnerável. Art. 217-A, § 1º, do Código Penal. Captação ambiental clandestina. Realização por terceiros sem conhecimento das pessoas envolvidas. Pacote anticrime. Regulamentação. Prévia autorização judicial. Dispensa. Restrição a direito fundamental do acusado. Possibilidade. Critério da proporcionalidade. Necessidade da gravação ambiental para a prova da conduta criminosa. Adequação. Inexistência de meio menos gravoso. Proporcionalidade em sentido estrito. Colisão de interesses. Bens jurídicos de maior relevância. Legítima defesa probatória. Licitude da prova.
Na colisão de interesses, é válida a captação ambiental clandestina sempre que o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e a imagem do autor do crime, utilizando-se da legítima defesa probatória, a fim de se garantir a licitude da prova.
A inserção do art. 8º-A à Lei n. 9.296/1996 pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) se deu com o fim de regulamentar a "captação de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos", para fins de investigação ou instrução criminal. Para tanto, geralmente, exige-se prévia autorização judicial e outros requisitos na concretização da proporcionalidade em suas três dimensões: idoneidade para produzir prova da prática do crime (adequação), inexistência de outro meio menos gravoso de obtenção da prova (necessidade) com pena superior a 4 anos (proporcionalidade em sentido estrito).
O art. 8-A, da Lei n. 9.296/1996 garante, em seu § 4º, a utilização, em matéria de defesa, da prova obtida por meio da captação ambiental realizada por um dos interlocutores, quando demonstrada a integridade da gravação. O art. 10-A, da referida lei, por sua vez, também incluído pela Lei n. 13.964/2019, previu a figura típica da captação ambiental sem autorização judicial, mas ressalvou, em seu § 1º, os casos em que esta é realizada por um dos interlocutores, situação que pode ser equiparada à atuação de terceiro quando o agente reduzir totalmente a possibilidade de agir da vítima.
Os precedentes mais recentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal têm validado o uso das gravações clandestinas como meio de prova, excluindo da incidência típica as captações feitas por um dos interlocutores. A questão não é nova, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 583.937, em 19 de novembro de 2009, em rito de repercussão geral, já havia decidido pela validade probatória da gravação de áudio ou vídeo realizada de forma oculta, por particular, sem conhecimento do outro interlocutor.
Não obstante alguns posicionamentos contrários à utilização da gravação clandestina produzida pelas vítimas de crime como meio de prova, há situações em que é forçoso se concluir pela sua licitude, considerando justamente a necessidade de defesa dos direitos fundamentais da vítima.
Especificamente com relação à sua utilização como forma de proteção aos direitos fundamentais da vítima de ações criminosas, a proporcionalidade em sentido estrito se aplica como verdadeira causa excludente de ilicitude da prova toda vez que o direito à integridade e à dignidade da vítima prevalece sobre o direito de imagem e privacidade do ofensor. Em outras palavras, é imprescindível que os bens jurídicos em confronto sejam sopesados, dando-se preferência àqueles de maior relevância.
Na colisão de interesses, o uso de captações clandestinas se justifica sempre que o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à imagem do autor de crime, utilizando-se da legítima defesa probatória, a fim de se garantir a licitude da prova. É exatamente nesse contexto que se insere a conduta daquele que realiza uma gravação ambiental clandestina, inicialmente praticando a conduta típica descrita no art. 10-A da Lei n. 9.296/1996, amparado, no entanto, pela excludente de antijuridicidade, pois sua conduta, embora cause lesão a um bem jurídico protegido, no caso a privacidade ou a intimidade da pessoa alvo da gravação, é utilizada para a defesa de direito próprio ou de terceiro contra agressão injusta, atual e iminente.
No presente caso, os funcionários da equipe de enfermagem de um hospital suspeitaram do comportamento incomum apresentado pelo denunciado no centro cirúrgico e registraram em vídeo a ação criminosa, considerando a vulnerabilidade da vítima que estava sedada sem qualquer possibilidade de reação ou mesmo de prestar depoimento sobre os fatos.
Ao sopesar os interesses das partes envolvidas na captação ambiental, obviamente que os direitos fundamentais da parturiente se sobrepõem às eventuais garantias fundamentais do ofensor que agora tenta delas se valer para buscar impedir a utilização do único meio de prova possível para a elucidação do crime por ele perpetrado, praticado às escondidas em ambiente hospitalar e em proveito à situação de extrema vulnerabilidade que ele mesmo impôs à parturiente com a utilização excessiva de sedação e de anestésicos, impedindo qualquer tipo de reação. Sendo assim, não há ilicitude a ser reconhecida.
Código Penal (CP/1940), art. 217-A, § 1º
Lei n. 9.296/1996, arts. 8-A, caput e § 4º e 10-A, caput e § 1º
AgRg no REsp 2.026.477-SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/11/2023, DJe 29/11/2023.
DIREITO PENAL, EXECUÇÃO PENAL
Regime inicial aberto condicionado. Art. 36, § 1º, do Código Penal. Condição fixada na sentença. Possibilidade. Interpretação sistemática. Arts. 110 e 115 da Lei de Execução Penal. Ofensa ao sistema vicariante. Inocorrência. Frequência do condenado a tratamento antidrogadição pelo período de 1 ano. Condição que não se confunde com medida assecuratória de tratamento ambulatorial.
A submissão do condenado semi-imputável a tratamento antidrogadição pelo magistrado sentenciante, como condição especial para o regime aberto, não ofende o sistema vicariante, pois não se confunde com medida assecuratória de tratamento ambulatorial preconizado no art. 98 do Código Penal.
A controvérsia consiste em definir se é possível fixar condição especial ao regime aberto de submissão do condenado à frequência de tratamento antidrogadição.
No caso, o tribunal de origem reputou ser possível que o magistrado sentenciante estipule como condição especial para o cumprimento de pena em regime aberto a frequência em tratamento antidrogadição, a fim de minimizar as consequências do uso de entorpecentes, notadamente a prática de novos crimes para financiar a aquisição de droga.
Neste ponto, deve ser realizada uma interpretação sistemática dos dispositivos da LEP e do CP, incentivada pelo próprio art. 110 da LEP que remete ao art. 33 do CP ao dispor que "o Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade" e pela existência de regras do regime aberto tanto no art. 36, § 1º, do CP, quanto no art. 115 da LEP. Logo, o estabelecimento de condições especiais para a concessão do regime aberto pode ser realizado também pelo juiz sentenciante.
Além disso, embora na hipótese tenha sido reconhecida a semimputabilidade com redução de pena (art. 26, parágrafo único, do CP), tal condição especial cumulada com a pena privativa de liberdade não ofendeu ao sistema vicariante. Isso porque não se confunde com o tratamento ambulatorial curativo preconizado no art. 98 do CP (por tempo indeterminado e com perícia médica, em atenção ao art. 97, §§ 1º a 4º do CP).
AgRg no REsp 2.018.231-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 30/10/2023, DJe 8/11/2023.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Crimes contra a ordem tributária e sonegação de contribuição previdenciária. Arts. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, por quatro vezes (IRPJ, PIS, CPFINS E CSSL) e 337-A, do Código Penal. Circunstância judicial negativa. Critério matemático não admitido. Concurso formal e continuidade delitiva. Possibilidade.
É possível a cumulação das causas de aumento de pena da continuidade delitiva e do concurso formal, quando em delitos fiscais, o sujeito ativo, mediante uma única ação ou omissão, sonega o pagamento de diversos tributos, reiterando a conduta por determinado período, além de concorrer para a prática do delito previsto no art. 337-A, do CP.
Consigna-se de início que a jurisprudência do STJ é no sentido de que as circunstâncias judiciais consideradas negativas (circunstâncias do crime e motivos do crime) são inerentes ao tipo penal.
Além disso, não se admite a adoção de um critério puramente matemático, baseado apenas na quantidade de circunstâncias judiciais desfavoráveis, até porque de acordo com as especificidades de cada delito e também com as condições pessoais do agente, uma dada circunstância judicial desfavorável poderá e deverá possuir maior relevância (valor) do que outra no momento da fixação da pena base, em obediência aos princípios da individualização da pena e da própria proporcionalidade, como ocorreu no caso. (AgRg no HC n. 714.805/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2022).
Dessa forma, é possível a cumulação das causas de aumento de pena da continuidade delitiva e do concurso formal, quando em delitos fiscais, o sujeito ativo, mediante uma única ação ou omissão, sonega o pagamento de diversos tributos, reiterando a conduta por determinado período, além de concorrer para a prática do delito previsto no art. 337-A, do CP.
Conforme entendimento desta Corte, os delitos previstos nos arts. 337-A do CP e 1º da Lei n. 8.137/1990 são autônomos, pois tutelam bens jurídicos diversos, sendo o previsto no art. 1º da Lei n. 8.137/1.990 atinente à sonegação de contribuições sociais lato sensu, e o previsto no art. 337-A do CP atinente às contribuições sociais especificamente destinadas à previdência social. Assim, é possível reconhecer concurso formal sem se falar em bis in idem. (AgRg no REsp n. 1.940.937/PE, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 19/10/2022).
No caso, tendo os réus suprimido e reduzido o IRPJ, a CSSL, PIS e COFINS nos exercício de 1999, não há ilegalidade na aplicação do concurso formal de delitos, reconhecendo a existência de quatro crimes.
AgRg no HC 849.502-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por maioria, julgado em 19/10/2023, DJe 6/11/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Decisão monocrática. Admissão de intervenção de terceiros. Habeas corpus impetrado pela defesa em segunda instância. Novo Habeas corpus. Descabimento. Ausência de ameaça à liberdade de locomoção do réu. Ocorrência de supressão de instância. HC não conhecido.
É inadmissível a impetração de um novo habeas corpus para impugnar decisão monocrática que defere a intervenção de terceiros em habeas corpus impetrado pela defesa em segunda instância.
Cinge-se a controvérsia a análise do cabimento de habeas corpus contra decisão de TRF que, nos autos de outro habeas corpus impetrado pela defesa em segunda instância, admitiu a habilitação de terceiro, suposta vítima dos fatos narrados na denúncia.
A decisão que defere a habilitação de terceiro em habeas corpus, mesmo que esteja equivocada, em nada afeta a liberdade de locomoção do réu.
Logo, é inadmissível a impetração de um novo habeas corpus para impugná-la, porquanto não configurada a hipótese dos arts. 647 do CPP e 5º, LXVIII da CF.
Ainda, o habeas corpus foi impetrado contra decisão monocrática do Desembargador relator no TRF, sem a prévia apresentação do tema ao colegiado daquele Tribunal, o que implica supressão de instância e reforça a conclusão quanto à inadmissibilidade do writ.
Em síntese, há uma dupla inadmissibilidade do habeas corpus: primeiramente, pela ausência de conexão mínima com a liberdade de locomoção, e em segundo lugar pela supressão de instância. A defesa descumpriu um plexo de normas atinentes à natureza restritiva do writ (arts. 647 e seguintes do CPP; art. 5º, LXVIII da CF) e a seu processamento na organização judiciária pátria (art. 105, I, "c" da CF).
Esse dado é relevante porque todas as partes no processo penal precisam pautar sua atuação na boa-fé objetiva ― se não por exigência lógica do próprio sistema processual, pela incidência do art. 5º do CPC, conjugado com a regra interpretativa do art. 3º do CPP. E, como ensina há muito a doutrina, é essa boa-fé que impede o comportamento contraditório da parte que, num primeiro momento, viola a norma jurídica para, posteriormente, exigir seu cumprimento, sem desfazer a violação anterior.
AgRg no REsp 2.039.021-TO, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/8/2023, DJe 16/8/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Não é obrigatório notificar o investigado acerca do não oferecimento de proposta do acordo de não persecução penal, sendo que a ciência da recusa do Ministério Público deve ocorrer por ocasião da citação, podendo o acusado, na primeira oportunidade de se manifestar nos autos, requerer a remessa dos autos ao órgão de revisão ministerial.
O acordo de não persecução penal não constitui direito subjetivo do investigado, podendo ser proposto pelo Ministério Público conforme as peculiaridades do caso concreto e quando considerado necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção da infração penal. Assim, não pode prevalecer a interpretação dada a outras benesses legais que, satisfeitas as exigências legais, constitui direito subjetivo do réu, tanto que a redação do art. 28-A do CPP preceitua que o Ministério Público poderá e não deverá propor ou não o referido acordo, na medida em que é o titular absoluto da ação penal pública (art. 129, I, da CF).
Por outro lado, o art. 28-A, § 14, do CPP garantiu a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público nas hipóteses em que a acusação tenha se recusado a oferecer a proposta de acordo de não persecução penal.
A norma condiciona o direito de revisão à observância da forma prevista no art. 28 do CPP, cuja redação a ser observada continua sendo aquela anterior à edição da Lei n. 13.964/2019, tendo em vista que a nova redação está com a eficácia suspensa desde janeiro de 2020 em razão da concessão de medida cautelar, nos autos da ADI n. 6.298/DF, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
No caso, o acórdão proferido pelo Tribunal de origem está em desacordo com recente julgado desta Corte Superior (HC 677.218/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 2/8/2021), no qual se assentou que, na legislação vigente atualmente, não existe a obrigatoriedade do Ministério Público notificar o investigado em caso de recusa em se propor o acordo de não persecução penal.
Dessa forma, não poderia o Juízo de primeira instância rejeitar a denúncia somente em razão da ausência de intimação do investigado pelo Ministério Público Federal para informar acerca do não oferecimento do ANPP, até porque não existe condição de procedibilidade não prevista em lei.
Ademais, cumpre ressaltar que caso seja recebida a denúncia, será o acusado citado, oportunidade em que poderá, por ocasião da resposta a acusação, questionar o não oferecimento de acordo de não persecução penal por parte de Ministério Público e requerer ao Juiz que remeta os autos ao órgão superior do Ministério Público, nos termos do art. 28, caput e 28-A, § 14, ambos do CPP.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 12/12/2023, DJe 15/12/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A Receita Federal não pode, a pretexto de examinar incidentes tributários e aduaneiros, investigar delitos sem repercussão direta na relação jurídica tributária - que se afastem de sua atribuição de órgão fiscal -, sendo nulos os elementos de prova por ela produzidos.
A controvérsia consiste em analisar a nulidade de elementos de prova produzidos em investigação conduzida pela Receita Federal do Brasil, quando ultrapassados os limites de sua atribuição administrativa em matéria de fiscalização e investigação para aplicação de legislação tributária.
A Receita Federal do Brasil possui atribuição e poderes administrativos para, em caráter suplementar, apurar condutas de repercussão penal, desde que insertas no espectro de suas atribuições e em atenção à finalidade fiscal. As limitações, por conseguinte, são duas: (i) pertinência temática: a atuação deve estar associada à relação jurídica tributária ou aduaneira; e (ii) finalidade fiscal: a atividade deve perseguir a tutela fiscal, de modo que, ainda que apure ilícitos de natureza tributária, não se admite desvirtuamento de finalidade para que sejam atingidos outros fins.
O poder de polícia administrativa da Receita Federal, portanto, possui contornos e não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sob pena da potencialidade de violação a direitos fundamentais e indevida invasão da esfera de atribuição dos órgãos de persecução penal. A atividade de administração e repressão fiscal pressupõe, assim, limites inerentes e a respectiva sujeição ao controle judicial.
Por consequência lógica, muito embora existam pontos de contato, o desenvolvimento da atividade da Receita Federal não pode invadir a esfera de atribuição da polícia judiciária ou, ainda que na apuração tematicamente adequada, atuar em desvio da finalidade fiscal. E os respectivos procedimentos fiscais averiguatórios não podem, dessa forma, ter por objeto a persecução de condutas delituosas desconectadas da relação jurídica tributária.
Obviamente, nada obstante o poder para investigar ilícitos tributários e aduaneiros - que, eventualmente, podem caracterizar crimes de natureza tributária -, é possível que a apuração identifique, em decorrência da atuação, indícios de prática de delitos estranhos à atribuição do órgão fiscal. Nessa hipótese, a Receita Federal persistirá nas averiguações do fato, porquanto inserido na esfera de sua atividade finalística. E, encerrada a investigação e considerando a existência de indícios de possível ocorrência de infração tributária de natureza criminal, fará comunicação aos órgãos de repressão penal, pois configurado o dever de representação fiscal para fins penais.
Por outro lado, como dito, a Receita Federal não pode, a pretexto de examinar incidentes tributários e aduaneiros, investigar delitos sem repercussão direta na relação jurídica tributária. Nessa hipótese, a pertinência temática e finalística denota limitação na atuação e o consequente dever de comunicar os órgãos de persecução tipicamente penal, uma vez que constituído o dever de representação para fins penais.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os poderes de investigação do Ministério Público, igualmente, delimitou o espaço de atuação de cada órgão fiscalizatório, ao decidir que "o ordenamento constitucional não impede que outros órgãos estatais, diversos da Polícia, promovam, por direito próprio, em suas respectivas áreas de atribuição, atos de investigação destinados a viabilizar a apuração e a colheita de provas concernentes a determinado fato que atinja valores jurídicos postos sob a imediata tutela de referidos organismos públicos, independentemente de estes posicionarem-se nos domínios institucionais do Poder Executivo ou do Poder Legislativo" (STF, HC n. 89.837/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 19/11/2009).
No caso, segundo a defesa, a Receita Federal teria recebido denúncia anônima que apontava crimes de natureza tributária e não tributária envolvendo o paciente. Todavia, a Receita Federal não teria encaminhado a notícia aos órgãos de persecução penal e teria tomado para si a tarefa de investigar as suspeitas. Isso porque, após analisar informações fiscais e movimentações bancárias das pessoas envolvidas, a Receita deu início a dois procedimentos fiscais com requisições, em paralelo, de informações sobre movimentações financeiras e expedições de ofícios que, ao juízo da defesa, teriam o objetivo de investigar crimes financeiros, de falsidade e de lavagem de capitais. E, anos depois da denúncia anônima, foi redigido o relatório fiscal objeto da controvérsia.
Constata-se, assim, que o relatório da operação não se limitava ao procedimento fiscal ordinário, inserto na temática tributária e com finalidade de apuração de ilícitos dessa natureza. Em verdade, as investigações tiveram como ponto de partida denúncia apócrifa, que, desde logo, narrava a existência de tipos penais não tributários. E culminaram no acesso às informações fiscais e bancárias disponíveis ao órgão tributário e em outras ações efetivadas exclusivamente pelo órgão de fiscalização fiscal com vistas à averiguação das infrações penais. Isso tudo sem autorização prévia do Poder Judiciário ou notificação ao Ministério Público Federal, o qual não foi cientificado quando suspeitas de ilícitos não tributários surgiram, mas somente após longo período do início das investigações acerca de tais crimes pela Receita Federal.
Nesse contexto, registra-se, também, que o caso não se confunde com a descoberta fortuita de provas. A serendipidade pressupõe o encontro acidental de prova relacionado a fato diverso daquele que está sendo investigado. Na espécie, os fatos dos quais se constituíram os elementos de prova eram objeto da investigação, de modo que inviável a tese de que teria surgido no curso de procedimento fiscal de forma casual.
Dessa forma, a Receita Federal desborda dos limites de sua atribuição ao perseguir elementos estranhos à relação jurídica tributária, portanto, fora da limitação temática que dá contorno à sua atuação e em desvio da finalidade fiscal.
AgRg no HC 843.142-SP, Rel. Ministro João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF1), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2023, DJe 26/10/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
O pedido de reconsideração, por não ter natureza recursal, não interrompe nem suspende o prazo para interposição do recurso cabível.
A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça orienta que a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 não modificou o prazo para interposição de agravo das decisões do relator em matéria penal. Logo, mantida a disposição prevista no art. 39 da Lei n. 8.038/1990, na qual é intempestivo o agravo regimental interposto após decurso do prazo de cinco dias previsto no art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ).
No caso, a decisão agravada foi disponibilizada no Diário da Justiça eletrônico em 4/8/2023 e considerada publicada no primeiro dia útil seguinte, ou seja, publicada em 7/8/2023. O presente agravo regimental, no entanto, só veio a ser protocolado nesta Corte em 22/9/2023, quando já havia escoado o prazo para a sua interposição.
Por sua vez, a orientação desta Corte é firme no sentido de que o pedido de reconsideração apresentado pela parte, por não ter natureza recursal, não interrompe nem suspende o prazo para interposição do recurso cabível. Precedentes: AgRg no REsp 2.046.111/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/3/2023, DJe24/3/2023 e AgRg no HC 648.168/AC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 13/4/2021, DJe 29/4/2021.
AgRg no RHC 170.036-MG, Rel. Ministro João Batista Moreira (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 21/11/2023, DJe 5/12/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Não cabe a decretação de prisão preventiva amparada apenas na ausência de localização do réu, sem a demonstração de outros elementos que justifiquem a necessidade da segregação cautelar.
No caso analisado, após citação editalícia frustrada, a prisão preventiva foi decretada para garantir a aplicação da lei penal, em razão de o agravante estar em local incerto e não sabido.
Sobre o tema, a doutrina orienta que "não se pode extrair da ressalva constante do art. 366, relativamente à possibilidade de decretação da prisão preventiva, qualquer conclusão acerca de suposta autorização para a decretação automática da prisão preventiva, como mera decorrência da citação por edital. É dizer: não ter sido encontrado o réu não significa, necessariamente, que ele ofereça risco à aplicação da Lei penal (art. 312 do CPP)".
Ademais, pacífica jurisprudência desta Corte indica a impossibilidade de decretação de prisão preventiva amparada apenas na ausência de localização do réu, sem a demonstração de outros elementos que justifiquem a necessidade da segregação cautelar (AgRg no RHC n. 167.473/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023).
AgRg no HC 842.630-SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/12/2023, DJe 21/12/2023.
DIREITO PENAL
A quantidade e a natureza da droga apreendida podem servir de fundamento para a majoração da pena-base ou para a modulação da fração da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, desde que não tenham sido utilizadas na primeira fase da dosimetria, de forma que a condição de "mula", per se, não tem o condão de impedir o reconhecimento do privilégio.
A Terceira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.887.511/SP (relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, julgado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021), definiu que a quantidade de substância entorpecente e a sua natureza hão de ser consideradas na fixação da pena-base, nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, não sendo, portanto, pressuposto para a incidência da causa especial de diminuição de pena descrita no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Posteriormente, o referido colegiado aperfeiçoou o entendimento anteriormente exarado por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.887.511/SP, passando a adotar o posicionamento de que a quantidade e a natureza da droga apreendida podem servir de fundamento para a majoração da pena-base ou para a modulação da fração da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, desde que, neste último caso, não tenham sido utilizadas na primeira fase da dosimetria.
Na espécie, o fundamento de que o agente transportava grande quantidade de droga a serviço de terceiros não se presta a sustentar o afastamento da benesse, uma vez que evidencia, de plano, apenas a condição de mula e não de dedicação a atividades criminosas. E, nos termos da jurisprudência desta Corte, a condição de mula, per se, não tem o condão de impedir o reconhecimento do privilégio em comento, de modo que faz jus o agravado à incidência da minorante na fração de 1/6.
AgRg no HC 829.263-RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/8/2023, DJe 1/9/2023.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Ainda que se trate de recurso exclusivo da defesa, o efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal de origem conhecer e rever os fundamentos contidos na sentença condenatória, podendo valer-se de novos argumentos, desde que não agrave a situação do réu.
Segundo entendimento deste Tribunal, ainda que se trate de recurso exclusivo da defesa, o efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal de origem conhecer e rever os fundamentos contidos na sentença condenatória, podendo valer-se de novos argumentos, desde que não agrave a situação do réu (EDcl no AgRg no REsp n. 1.846.870/SP, rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 19/5/2020, DJe 26/5/2020).
Ademais, a sentença deve ser lida como um todo, sendo que, para se verificar a motivação do ato jurisdicional, não basta uma leitura da parte dispositiva, ou, in casu, do fragmento referente à fixação da pena (STF, RHC 115.486/DF, Segunda Turma, Ministra Cármen Lúcia, julgado em 12/3/2013).
Com efeito, a dosimetria, como um elemento da construção argumentativa, calcado nos fatos imputados ao réu, demanda que a sentença seja lida em sua integralidade, de sorte que o trecho relativo à aplicação da pena deve ser compreendido em conjunto com as circunstâncias destacadas pelo magistrado a quo quando da análise da configuração do delito.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por maioria, julgado em 12/9/2023, DJe 21/9/2023.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Estupro de vulnerável. Vítima com 12 anos e réu com 19 anos ao tempo do fato. Nascimento de filha da relação amorosa. Manifestação de vontade da adolescente. Punibilidade concreta. Perspectiva material. Conteúdo relativo e dimensional. Grau de afetação do bem jurídico. Ausência de relevância social do fato. Persecução lesiva a entidade familiar e a proteção integral da criança. Tema 918/STJ . Distinguishing.
Admite-se o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ, na hipótese em que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão sob a sistemática dos recursos repetitivos (no caso, o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima contava com 12 anos de idade), aliado ao fato de a menor viver maritalmente com o acusado desde o nascimento da filha do casal, devidamente reconhecida, o que denota que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal.
A Terceira Seção, no julgamento do REsp 1.480.881/PI , submetido ao rito dos recursos repetitivos, reafirmou a orientação jurisprudencial, então dominante, de que absoluta a presunção de violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos. Contudo, a presente hipótese enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação jurisprudencial, diante das peculiaridades circunstanciais do caso.
Na questão tratada no referido julgado, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a vítima era criança, com 8 anos de idade, enquanto que o imputado possuía idade superior a 21 anos. No caso em análise, com absolvição nas duas instâncias, consta dos autos que o réu possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade, e praticou conjunção carnal com a vítima, adolescente, que na época dos fatos contava com apenas 12 anos de idade, resultando em gravidez, cuja criança do sexo feminino veio a nascer [...].
A necessidade de realização da distinção feita no REsp Repetitivo 1.480.881/PI se deve em razão de que, no presente caso, a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma, bem como porque houve o nascimento da filha do casal, devidamente registrada, fato social superveniente e relevante que deve ser considerado no contexto do crime.
Considerando as particularidades do presente feito, em especial o fato de a vítima viver maritalmente com o acusado desde o nascimento da filha do casal, denota que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal. Não se evidencia a necessidade de pena, consoante os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Não se registra proveito social com a condenação do denunciado. Diversamente, o encarceramento se mostra mais lesivo aos valores protegidos, em especial, à família e à proteção integral da criança do que a resposta estatal para a conduta praticada, o que não pode ocasionar punição na esfera penal.
Assim, a eventual condenação de um jovem pelo delito de estupro de vulnerável acarretaria uma sanção severa, a ponto de destruir uma entidade familiar, colocando em grave risco a própria vítima e a filha, que não terá o suporte material e emocional do pai, cujo genitor terá que sofrer a estigmatização pela sociedade, diante da etiqueta de estuprador.
AgRg no HC 788.419-PB, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/9/2023, DJe 15/9/2023.
DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL
Reconhecida a habitualidade delitiva, fica descaracterizado o crime continuado, impedindo a celebração de acordo de não persecução penal.
Na espécie, as instâncias de origem foram claras ao afirmar que "o requerente praticou condutas consideradas criminosas, de forma habitual e reiterada, por 15 (quinze vezes)", o que impede a celebração do acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A, § 2º, II, do Código de Processo Penal.
Ressalte-se que a proposta é uma prerrogativa do Ministério Público, e, portanto "Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos." (STF, Segunda Turma. HC n. 194.677/SP, relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021) - (Info 1017).
De acordo com a jurisprudência desta Corte, uma vez reconhecida a habitualidade delitiva, fica descaracterizado o crime continuado.
AgRg no HC 852.949-CE, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 30/11/2023, DJe 14/12/2023.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Não configura causa de impedimento a hipótese em que a desembargadora revisora se limitou a, em cognição sumária e com fundamentação sucinta, receber a denúncia contra o réu quando atuava em primeiro grau e depois, sentenciado o feito por magistrado totalmente diverso, apreciou, passados mais de 10 anos, em cognição exauriente, o mérito da causa na apelação interposta contra a sentença.
De acordo com a jurisprudência, do STF e do STJ, não se admite a existência de causa de impedimento fora das hipóteses elencadas no art. 252 do Código Processual Penal, porquanto o rol desse dispositivo é taxativo, a não permitir, pois, integração ou mesmo interpretação extensiva por parte do Poder Judiciário.
Na hipótese, a desembargadora revisora se limitou a, em cognição sumária e com fundamentação sucinta, receber a denúncia contra o réu quando atuava como Juíza de primeiro grau e, depois, sentenciado o feito por magistrado totalmente diverso, apreciou, passados mais de 10 anos, em cognição exauriente, o mérito da causa na apelação interposta contra a sentença, o que não se enquadra na hipótese prevista no art. 252, III, do CPP.
O exame dos pressupostos e dos requisitos necessários ao recebimento da denúncia é feito em cognição sumária dos fatos, com base nos elementos informativos colhidos no inquérito policial, sem apreciação exauriente da causa e da efetiva responsabilidade penal do indivíduo.
Fala-se, por isso, em mero fumus commissi delicti (fumaça do cometimento de um delito), consistente na existência de prova da materialidade e indícios de autoria delitiva. Vale dizer, ao simplesmente receber a denúncia contra o acusado, o julgador não está, necessariamente, "pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão", no caso, a responsabilidade penal do réu. Está apenas, em juízo prelibatório, sem incursão definitiva na culpa do acusado, analisando a presença de justa causa para o início da ação penal.
Naturalmente, estabelece o impedimento do julgador que "tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão", não é esse tipo de situação que o art. 252, III, do CPP intenciona obstar. A mens legis, por certo, é a de evitar que o direito ao recurso seja exercido de maneira meramente formal, como verdadeiro simulacro, sem a existência efetiva de "dois sucessivos exames e decisões sobre o tema de fundo analisado, por obra de dois órgãos jurisdicionais distintos da causa".
É o que ocorreria, por exemplo, na hipótese de o juiz sentenciante se promover a desembargador e participar do julgamento da apelação interposta contra a sentença por ele proferida. Em tal situação, não haveria propriamente duplo grau de jurisdição, pois o mesmo magistrado decidiria duas vezes sobre a responsabilidade penal do réu.
Igualmente, o impedimento configurar-se-ia caso o juiz decretasse a prisão preventiva em primeiro grau ou recebesse a denúncia e fosse posteriormente instado, como desembargador, em grau recursal ou habeas corpus, a apreciar novamente a idoneidade da custódia por ele mesmo decretada ou da decisão de recebimento da inicial acusatória. Nessa hipótese, já se haveria pronunciado "de fato e de direito sobre a questão".
Essas situações, porém, são bastante distintas da que ocorreu no caso dos autos.