A questão jurídica controvertida versa sobre a configuração do abuso de direito pela rejeição do plano de recuperação judicial por credor com poder de veto, que sofreria deságio de 90% de seu
crédito.
Desde logo, não se ignora precedente desta Corte no sentido de ser possível, em situações excepcionalíssimas, a concessão da recuperação judicial, ainda que não alcançado o quórum do art. 45
da Lei n. 11.101/2005 e sem o cumprimento cumulativo dos requisitos do art. 58, § 1º, a fim de evitar o abuso do direito de voto por alguns credores, visando a preservação da empresa.
Descabe,
entretanto, transformar em regra a exceção. O cram down é, por si, medida excepcional, que existe com objetivo de superar impasses e permitir a continuidade da empresa, impondo aos credores divergentes um plano de recuperação judicial, ainda
que não alcançado o quórum legal para sua aprovação. Justamente por excluir o voto divergente do credor, a Lei de Falência e Recuperação Judicial restringe o uso da ferramenta, exigindo o cumprimento cumulativo de três requisitos legais.
No caso, dos três requisitos legais exigidos, dois deles não foram cumpridos, quais sejam: (i) a exigência de voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos
presentes
à assembleia, independentemente de classes (art. 58, § 1º, I) e (ii) na classe que houver rejeitado o plano, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores (art. 58, § 1º, II). Some-se a isso o fato de que o Tribunal de origem reconheceu que "o deságio
de
90% previsto para as classes II, III e IV é excessivo".
Considerando que na situação do banco recorrente, credor classe II, o deságio de 90% é mais expressivo do que para as classes III e IV, não é
razoável exigir do credor, titular de cerca de 95% das obrigações passivas da devedora, que manifeste incondicional anuência na redução do equivalente a 90% de seu crédito, em benefício da coletividade de credores e em detrimento de seus próprios
interesses.
Logo, a manutenção da homologação do plano de recuperação judicial, sem o quórum de aprovação, sem o cumprimento dos requisitos legais cumulativos para aplicação do cram down e
sem
a demonstração do abuso de direito, viola os arts. 41, 45 e 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005.